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Entrevista: Luís Corte Real

Por Isabel Daires · Em 28/10/2024

A fantasia não é um território estranho para Luís Corte Real, não fosse ele o fundador da editora Saída de Emergência, cuja Colecção Bang! dá cartas no género. Estranhos, embora paradoxalmente próximos de nós, são os “Reinos Bastardos” (Saída de Emergência, 2024) que dão título ao seu mais recente livro (ler crítica) – domínios violentos de ogros, onde cresce uma humana chamada Runa, cuja história nos cativa desde o início.

Ansiando pelo próximo volume, entrevistámos uma vez mais o autor, procurando saber mais sobre o mundo desta heroína e perceber as intersecções da nova saga com as outras obras do autor.

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As suas obras anteriores (os dois volumes das “Aventuras de Benjamim Tormenta” (ler críticas aqui e aqui) e o primeiro de “Lisboa Noir” (ler crítica) eram compostas por conjuntos de contos que funcionavam como peças de um puzzle. Por outro lado, o seu último livro, “Reinos Bastardos”, é um romance com uma narrativa sequencial. Quais os reflexos desta mudança estrutural no processo de escrita, ou vice-versa? Foi algo premeditado, ou foi uma consequência do desenrolar do trabalho?

Apesar de constituídos por contos, gosto de pensar que os dois livros do Benjamim tormenta e o Lisboa Noir são romances. Afinal, os contos não vivem bem sozinhos, fazem parte de um arco narrativo maior, e estão interligados de muitas maneiras – como vários episódios de uma série de televisão. Mas, sem dúvida, o Reinos Bastardos é diferente. Este é mesmo um romance com princípio, meio e fim (ainda que aberto!). A mudança foi premeditada, senti que estava na altura de escrever algo mais extenso. Mas, para ser sincero, não senti que nada mudasse na minha rotina de escrita. Apenas pesquisei menos (pois não é histórico), e procurei uma linguagem mais acessível e condizente com os gostos dos leitores mais jovens.

Existem semelhanças entre a heroína que agora apresenta, a Runa, e alguns protagonistas dos seus livros anteriores. Por exemplo, Benjamim Tormenta encontra-se amnésico em relação a parte do seu passado e procura descobrir como se tornou aquilo que é, e Ulisses Garcia é um anão que usa a argúcia para se desenvencilhar num mundo que não está feito à sua medida. Por seu lado, Runa é uma humana que cresce entre ogros, interroga-se acerca das suas origens e tem de ser astuta para enfrentar inimigos fisicamente mais fortes. Até que ponto as questões da busca da identidade pessoal e do desenquadramento do mundo são importantes para si e motivam a sua escrita?

Excelente pergunta, Isabel. Até reparas em coisas que eu não tinha dado conta. Sem dúvida que as personagens partilham traços, ainda que eu tente, ao máximo, diversificar e apresentar personagens originais, com características próprias, e que não nos deixem indiferentes. A busca da identidade e o desenquadramento são temas que, mesmo inconscientemente, acabo por explorar diversas vezes e em diferentes formas. Nas aventuras do detective do oculto as personagens principais são o Benjamim Tormenta, o seu criado Ramanujan e Felícia, o seu amor platónico; no segundo volume acrescento a Salomé e o Fradique Mendes. No Lisboa Noir o leque é mais extenso: Ulisses Garcia, o anão detetive; Sem-Pavor, o vigilante mascarado; Carrasco, uma espécie de Punisher da Marvel; Sara Lobeira, a escritora inocente à procura da identidade; Lana Bronze, a jornalista destemida; e Petra Mil-Homens, que sempre me fez lembrar a Ssar do Reinos Bastardos. O Reinos Bastardos acrescenta mais meia dúzia de personagens a esta galeria que já vai longa.

A Runa que vamos conhecendo e cuja rebeldia apreciamos é, em grande parte, o resultado de ter crescido num meio onde se distingue de todos os outros. Como imagina um encontro entre esta Runa e outra versão dela, que tivesse crescido nos Reinos Humanos?

Imagino que as únicas semelhanças fossem as físicas. O meio onde ela cresceu, selvagem e bruto, o facto de ser a única humana livre no clã ogro (e talvez em todos os Reinos Bastardos), a protecção que o pai adotivo lhe impunha, tudo a moldou num sentido muito particular. Quem seria a Runa se tivesse ficado nos Reinos Humanos? Talvez se consiga perceber no segundo volume.

Os humanos consideram os ogros inferiores, os arcanos consideram-nos a ambos inferiores… A maneira como Runa se exaspera com o arcano Minakshe pelas opiniões dele será um indício de eventuais desilusões com os Reinos Humanos?

A História do nosso mundo é, em parte, a história da luta de classes – e o mesmo se deverá passar no mundo da Runa. Poder, riqueza, conhecimento, sofisticação, tudo serve para dividir os ogros, os humanos e os arcanos. A Runa, de alguma forma, terá de lidar com as três raças e encontrar o seu lugar.

Apesar de todo o seu poderio, os antigos arcanos parecem ter sido devastados pelas brumas – que, suspeitamos, talvez tenham sido outra criação sua. Há aqui uma mensagem acerca da húbris?

Sim, consta que as brumas devastaram o império arcano há muitos milénios. Mas ainda é muito cedo para dizer qual a origem dessas brumas temíveis e caprichosas – até porque o autor (chiu, é segredo!) ainda não faz ideia do que vai escrever!

Na cultura ogro que descreve, conseguimos associar a escrita em “cordéis-das-palavras” aos quipós dos antigos incas. A que outras fontes de inspiração recorreu para construir este mundo?

Para recriar a Lisboa do Benjamim Tormenta e o seu século XIX tive de ler pilhas de obras; acumulei centenas de páginas de Word com notas e informações que posso usar. Para o Lisboa Noir, apesar de ser uma realidade alternativa, ainda assim tive de pesquisar bastante. O Reinos Bastardos foi o mais fácil: li alguns livros sobre as civilizações pré-colombianas e mesopotâmicas, os índios norte-americanos, a China antiga, a Idade Média europeia e pouco mais. Foi uma semana a investigar e quatro meses a escrever. Gosto muito de ler livros de História e uma coisa que aprendi há muito é que, por mais criativos que os autores de fantasia sejam, não conseguem criar nada mais fantástico do que a realidade. Ou seja, há alguns povos com costumes tão fascinantes, apavorantes ou exóticos, que nenhum escritor lá chegaria, mesmo com a ajuda de LSD. Ao criar a cultura ogro procurei dar-lhe algum exotismo, mas sempre alicerçado no que poderia ser a realidade, caso os ogros existissem mesmo.

Este primeiro volume de “A Canção de Runa” deixa vários mistérios pendentes. Já tem todas as respostas prontas a serem reveladas no segundo, ou o processo de escrita abriu portas que ainda não sabe como fechar?

Não faço a mínima ideia do que aí vem. Antes de começar o Reinos Bastardos preparei um esqueleto quase capítulo a capítulo. Mas fiquei-me pelo fim desse livro. Agora terei de fazer o mesmo para o segundo volume. Mas, primeiro, vou terminar o segundo Lisboa Noir.

Podemos ter spoilers? Por exemplo, depois de acompanharmos uma humana em territórios ogros, veremos no próximo volume a mestiça Ssar a percorrer os Reinos Humanos em busca de Runa?

Acho que é inevitável que a Ssar percorra os Reinos Humanos… se não encontrar a Runa antes de lá chegar. Mas não faço ideia de qual será a história delas. Só sei que gostei muito de as ver crescer ao longo do livro, a descobrirem as forças e as fraquezas uma da outra, e a descobrirem-se a si próprias. E mais não digo!

Esta sua fantasia épica contém alguns laivos de ficções científica, ao nível do que é contado acerca dos antigos arcanos e respectiva tecnologia. Perante a diversidade de subgéneros da ficção especulativa em que já escreveu, pondera a hipótese de um dia escrever uma obra de ficção científica? Porquê?

Não pondero escrever ficção científica pois acho que não o sei fazer. Então a chamada hard science fiction não está mesmo ao meu alcance. Mas adoro laivos de FC, que estão presentes no Lisboa Noir, e também no Reinos Bastardos. A não ser que estejamos a confundir tecnologia com magia e, nesse caso, o Reinos Bastardos seria apenas good old fantasy!

Uma das badanas de “Reinos Bastardos” informa-nos que estão em preparação os segundos volumes de “Lisboa Noir” e “A Canção de Runa”, pelo que ficam em suspenso as aventuras de Benjamim Tormenta. Uma vez que nos revelou, em 2022, que já tinha material preparado para o terceiro volume, haverá alguma forma – apesar dos constrangimentos editoriais – de aproveitar esse trabalho e proporcionar closure aos fãs do bruxeiro, que o viram pela última vez a ser sugado para o antigo Egipto?

É verdade, pretendo terminar o segundo “Lisboa Noir” este ano (vai a mais de meio) e o “Reinos Humanos” até ao verão que vem. Num mundo perfeito, sairiam os dois em 2025. Mas já tenho dois contos do terceiro volume do Benjamim Tormenta: um passado em Óbidos e outro na Mouraria. O que falta é o conto de abertura, que vai dar continuação à aventura no Egipto. Esse vai ser um texto complicado de escrever, pois terá de fazer justiça ao “Assim Falou a Serpente”, que, na minha opinião, é o melhor conto do bruxeiro (e é tão grande que é mais uma novela do que um conto). Quem sabe, em 2026 teremos essa closure!

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Isabel Daires

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