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Entrevista: Luís Corte Real

Por Isabel Daires · Em 27/05/2021

Dezoito anos depois de ter fundado a editora Saída de Emergência, Luís Corte Real apresenta o seu primeiro livro, “O Deus das Moscas Tem Fome” (Saída de Emergência, 2021), uma sequência de contos sobre as aventuras de Benjamim Tormenta, detective do oculto, na Lisboa do século XIX. Como não podia deixar de ser, a obra está integrada na Coleção Bang!, também criada por Luís Corte Real, onde tem vindo a ser publicado o melhor da literatura fantástica. Os amantes do género não devem perder esta leitura, que nos transporta para um mundo ao mesmo tempo familiar e alucinadamente sobrenatural.

Nesta entrevista, o autor fala-nos, entre outras coisas, do seu processo de escrita e das decisões que tomou, levantando um pouco o véu sobre aquilo que iremos encontrar no segundo volume das aventuras de Tormenta, personagem com a qual espera contribuir para colmatar a escassez de heróis populares portugueses. Manifesta também a vontade de retomar em grande, no próximo ano, o Festival Bang!, que teve de ser suspenso devido à pandemia a que assistimos, e deixa um repto à indústria audiovisual: que tal uma transposição destes contos para cinema ou televisão?

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O seu primeiro livro, “O Deus das Moscas Tem Fome”, dedicado às aventuras de Benjamim Tormenta, detective do oculto, deixa por revelar mistérios acerca do protagonista e de algumas personagens que o rodeiam. Esses mistérios serão desvendados num próximo volume?

É essa a minha ideia: cada conto, ou episódio, tem a sua história mais ou menos autónoma, mas o arco narrativo que se sobrepõe aos vários contos tem a sua própria história, os seus próprios mistérios, que vão sendo revelados aos poucos, ao ritmo dos contos.

Quando começou a escrever, já tinha um esquema mental da totalidade da saga ou a história foi-se desenvolvendo à medida que escrevia?

O George R. R. Martin diz que há dois tipos de autores: os arquitectos que projectam tudo ao pormenor, e os jardineiros que vão podando ao ritmo do momento. “O Deus das Moscas Tem Fome” é trabalho de um jardineiro, não fazia ideia, quando escrevi o primeiro conto, onde terminaria o último – e que partes do grande mistério (a relação entre Tormenta e Lamashtu) seriam reveladas. Mas já os contos, como peças autónomas, são fruto de trabalho de arquitecto – projecto tudo e só depois escrevo (sendo que por vezes o conto me leva por caminhos que não estavam previstos).

Por que razão optou por estabelecer o seu universo num século XIX semelhante ao que a nossa História regista, em detrimento de outras épocas ou mundos alternativos?

Para mim, o século XIX do Benjamim Tormenta é o nosso, eu limitei-me a levantar um pouco o véu e a revelar segredos que estariam ocultos. Porquê Lisboa? Porque tinha de ser. Nasci em Lisboa, amo Lisboa, e ela nada deve a Londres ou Nova Iorque. Essas duas cidades adquiriam um estatuto quase épico e místico pois são cenário para milhares de romances, filmes e séries. Eu quis fazer o mesmo com a nossa capital… e o nosso país. No século XIX Lisboa era a capital de um império que se estendia por todo o mundo e isso preenchia-a de mistérios, segredos e perigos que o bruxeiro tem de enfrentar.

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Que pesquisa fez para recriar a Lisboa do século XIX e as personagens históricas que nela habitavam?

Ler, ler e ler. Invisto tanto tempo na pesquisa quanto na escrita. Mas isso só é possível porque gosto de pesquisar, afinal, mistura duas coisas que amo: Lisboa e leitura. Li biografias, livros de História, de costumes, livros sobre a cidade, muitos romances (a obra do Eça é um guia insubstituível), etc. Tenho mais de cem páginas de notas que me servem de bengala sempre que tenho dúvidas ou procuro curiosidades.

A acção do primeiro conto de “O Deus das Moscas Tem Fome” decorre em Macau, que então pertencia ao império português. Seremos transportados para outros pontos do império em contos futuros?

É essa a minha intenção; Lisboa é o ponto de partida mas todo o império, e até o estrangeiro, pode ser palco das aventuras Benjamim Tormenta. Já reuni material sobre Goa, Angola, Rio de Janeiro (apesar de, na altura, já não fazer parte do império continuava muito “português”) e, num segundo ou terceiro volume, o bruxeiro irá lá. Estou a mais de metade do segundo volume e já tenho um conto de duzentas páginas passadas no Egipto (com uma vintena em Gibraltar e Malta), mais um pequeno conto com o Ramanujan passado em Lisboa, e, neste momento, estou a começar um conto que se vai passar apenas na cidade do Porto. Acredito que Júlio Dinis vai dar voltas no túmulo!

O que aproxima e separa o seu protagonista, Benjamim Tormenta, de outros heróis da ficção fantástica?

A grande diferença? É português. Há poucos heróis populares portugueses. Na verdade, até há poucos livros de literatura popular passados em Portugal – muitos romances históricos, alguns policiais e thrillers, mas quase nada daqueles livros de pura aventura, de fantástico, de horror. Era tão bom ajudar a mudar esse vazio. Mas precisamos de leitores para isso!

Benjamim Tormenta é, literalmente, atormentado por um demónio que está encerrado no seu corpo, mas cujo desejo de auto-preservação o leva a ajudar o hospedeiro a sobreviver. Diria que os nossos demónios interiores podem, por vezes, ser-nos úteis?

O demónio que habita o bruxeiro é, de certa maneira, uma representação dos demónios que todos carregamos. Quantas vezes os nossos demónios são o que de melhor temos? Mas, por vezes, são apenas escuridão e maldade, um lado negro que nos corrompe, e Tormenta é muito “atormentado” por essa questão: será que toda a escuridão que vive dentro dele pode ser colocada aos ombros de Lamashtu?

O que o levou a escolher um demónio associado à mitologia mesopotâmica? Tem algum interesse especial por essa civilização?

É a civilização mais antiga e eu queria que Lamashtu fosse tão antigo quanto possível. Sem humanos não há demónios. Ele apareceu lá, há milénios, viveu o equivalente a mil vidas e agora está preso num único homem e farto de, como diz a certa altura, escutar-lhe as tripas a digerir as couves.

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O grimório que aparece no segundo conto faz lembrar o Necromonicon dos contos de H. P. Lovecraft, que foi uma das suas fontes de inspiração, mas mais adiante surge outro conto que também envolve um livro amaldiçoado. De onde diria que provém o mito do livro maldito e por que motivo persistirá até hoje?

O livro amaldiçoado tem imensas variantes e Lovecraft foi um dos autores que mais contribuiu para a construção desse mito. Não sei de onde provém originalmente, mas talvez tenha nascido porque o livro é um recipiente de conhecimento; e o conhecimento é poder – poder esse que pode construir ou destruir. Um livro maldito é como uma bomba atómica!

Considerando as ligações que existem entre a literatura fantástica e a música, terá tido alguma fonte de inspiração musical, além das diversas fontes de inspiração literárias, cinematográficas e televisivas que enumera nas páginas de agradecimentos?

Fonte de inspiração musical não terei tido. Mas tenho sempre uma banda sonora quando escrevo – mais de trinta horas de músicas que me ajudam a viajar para a Lisboa do bruxeiro. É construída (mas não só) com bandas sonoras das séries de TV de que falo: Taboo, Penny Dreadful, Ripper Street, etc…

A narrativa das aventuras de Benjamim Tormenta contém uma grande carga visual. Imagina uma adaptação da sua obra para cinema ou uma série televisiva?

Só sei escrever de forma visual – como se visse um filme na minha mente, em que sou simultaneamente argumentista, realizador, produtor e director de efeitos especiais. Mas sim, imagino uma série de TV (alô Netflix?) com esta Lisboa queirosiana, em que vemos os dandies no Chiado, as lorettes no São Carlos, os burgueses no Passeio Público, e o Benjamim Tormenta, por becos e palacetes, a resolver um caso em cada episódio. O arco narrativo que abraçaria todos os episódios seria o levantar do véu, lento mas progressivo, sobre o passado do bruxeiro, a origem de Lamashtu, os segredos das tatuagens, e, no final da sétima temporada, a morte de um deles ou de ambos.

O Luís Corte Real fundou a editora Saída de Emergência, bem como a sua Coleção Bang! e a revista Bang!, dedicadas à fantasia, ficção científica e horror. Considera que a vossa actividade tem conquistado novos leitores para esses géneros? Quais são os principais critérios que presidem à elaboração do vosso catálogo e de que forma evoluíram ao longo do tempo?

Sei que apresentámos o género a muitos leitores, e temos feedback disso em lançamentos, feiras e outros eventos. O critério mais importante é a qualidade do autor e do livro. O segundo é o potencial de venda. Por vezes os critérios combinam-se no mesmo autor, outras vezes são diametralmente opostos. Mas a concorrência, não digo de outras editoras portuguesas, mas de editoras estrangeiras e de outros suportes, é cada vez mais forte. Mas, enquanto for possível, vamos divulgar e investir no género. Em 2022 contamos ter um super Festival Bang!.

Como editor, como avalia o mercado actual da literatura fantástica, em Portugal e no resto do mundo?

Lá fora o género vende bem, os leitores aumentam todos os anos, as séries de TV e os filmes potenciam as vendas, as sinergias com BDs, jogos de tabuleiro, merchandising, etc., são frenéticas. Não quero soar sempre desalentador, mas em Portugal é tudo muito pequenino, morninho, pacato. Somos o país que lê menos na Europa e isso reflecte-se no dia a dia das editoras.

O que pensa que atrai leitores para a literatura fantástica? Que mutações crê que o género poderá sofrer no futuro?

Os bons autores atraem leitores para o género. Mas primeiro é preciso uma série de TV ou de filmes para que as pessoas saibam que os livros existem. Dou exemplos dentro do género: George R. R. Martin, Harry Potter, Senhor dos Anéis, etc…

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Isabel Daires

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