Alguns livros depois de se ter destacado como a primeira autora portuguesa a atingir o Top 100 da Amazon, graças ao seu primeiro romance, Filipa Fonseca Silva apresenta-nos uma obra onde a seriedade dos temas coexiste em divertida harmonia com diálogos e situações que nos deixam um sorriso nos lábios. “E Se Eu Morrer Amanhã?” (Suma de Letras, 2023) tem como protagonista uma viúva de 79 anos que, perante a irreversibilidade do passado e a incerteza quanto ao tempo que o futuro lhe reserva, decide aproveitar ao máximo o presente, explorando a sua sexualidade de uma forma que deixa os filhos desconcertados.
Nesta entrevista, partimos da persistência dos tabus acerca da sexualidade na terceira idade para falarmos de assuntos como a evolução da condição feminina, o preconceito e o próximo projecto da autora, que partilha connosco uma angústia existencial que a leva a acreditar que não devemos adiar os nossos sonhos.
O seu último livro tem como protagonista uma viúva de 79 anos, que surpreende a família com a revelação de que mantém uma vida sexual activa. A que atribui a persistência, na sociedade em que vivemos hoje, de tantos tabus acerca da sexualidade na terceira idade?
Penso que tem muito que ver com o mito da juventude eterna, que existe nas sociedades ocidentais e que tem como face mais visível o absurdo abuso da cirurgia estética e da própria linguagem do “anti-envelhecimento”. É difícil visualizar pessoas velhas a beijarem-se, a tocarem-se, a continuarem a sentir desejo sexual, porque as imagens que nos chegam do que é sexy e sensual é invariavelmente representado por pessoas jovens. Isso faz com que as próprias pessoas mais velhas se sintam constrangidas em assumir o seu lado sexual, acabando por abafá-lo, escondê-lo ou simplesmente ignorá-lo.
A protagonista viveu a sua juventude num tempo em que as oportunidades educativas e profissionais eram muito mais limitadas para as mulheres do que para os homens, tendo ficado presa a um casamento indesejado e insatisfatório. Como avalia a evolução da condição feminina desde então?
Foram inúmeras as conquistas das mulheres durante todo o século XX, especialmente na segunda metade. Conquistas de direitos sobretudo políticos e laborais. As mulheres da geração da minha protagonista não tinham efectivamente muitas escolhas, e até os cursos e profissões que podiam ter eram muito limitados. O casamento e o cuidado da família eram o destino da maioria. Hoje isso já não acontece, mas as mulheres ainda têm muito por que lutar. Ainda não há salários iguais, ainda não há equidade nas oportunidades, ainda não há representatividade em todos os espaços, ainda são as mulheres quem mais trabalha dentro de casa, ainda há demasiadas vítimas de violência doméstica… Não se muda em cem anos uma cultura que nos foi imposta durante dezenas de séculos. Mas é evidente que a Mafalda (a neta da minha protagonista) tem uma vida infinitamente mais fácil do que a Helena.
Surpreendentemente, a protagonista demonstra ter uma mente mais aberta do que os filhos e os respectivos cônjuges. Como crê que se explicam situações semelhantes à ilustrada por esta história, em que parece haver uma inversão geracional na flexibilidade de pensamento?
Tem sobretudo que ver com a sabedoria que se vai adquirindo com a idade. Quanto mais nos aproximamos do fim provável da nossa existência, menos nos preocupamos com certas coisas, sobretudo com que os outros pensam. Nesse sentido, penso que envelhecer é muito libertador. Perde-se capacidades físicas, mas ganha-se paciência e essa tal flexibilidade de pensamento. Conheço muitas histórias em que os avós compreendem melhor os netos do que os pais, sobretudo em temas delicados como escolhas amorosas ou profissionais. Os pais dizem «nem pensar» e os avós dizem «faz o que te fizer feliz».
Como avalia o risco de que os esforços de desmistificação de tabus sexuais, ao fazerem generalizações, contribuam para criar novos preconceitos? Por exemplo, a ideia de que o sexo é indispensável a uma vida saudável não poderá dificultar a aceitação das pessoas assexuais e contribuir para aumentar as pressões sociais de que estas são alvo?
Os preconceitos surgem da falta de informação, por isso, ao mostrarmos novas realidades aos outros, estamos a ajudar a desfazê-los. Apresentar estudos que mostram que manter uma vida sexual activa faz bem à saúde é algo benéfico e libertador. É como apresentar estudos que mostram que fazer exercício é importante. Não acho que isso vá fazer aumentar a pressão social em relação às pessoas preferem ficar no sofá.
Este livro tem como título uma pergunta: “E se eu morrer amanhã?”. Trata-se de uma questão que surgiu no decurso do desenvolvimento da psicologia da protagonista, ou é algo em que reflicta? O que faria hoje se soubesse que ia morrer amanhã?
É algo sobre o qual reflicto muito. Sofro de uma certa angústia existencial desde que o meu avô morreu, tinha eu 14 anos. Ele era relativamente novo (64 anos), muito activo e saudável. Foi um choque para mim perceber que tudo pode simplesmente acabar de um dia para o outro. Por isso, desde então, tenho vivido com essa noção de que não devemos adiar os nossos sonhos, os nossos objectivos, o que temos para dizer. Se eu morresse amanhã, hoje ia para a praia dar mergulhos no mar até ao pôr-do-sol, convidava as pessoas mais importantes da minha vida e comia e bebia tudo o que me apetecesse até, literalmente, cair para o lado.
À semelhança de outros textos seus, este livro possui um enredo a que poderíamos chamar “cinematográfico”. Como reagiria à possibilidade de adaptação audiovisual da sua obra?
Realmente os meus leitores costumam dizer que lêem os meus livros como se estivessem a ver um filme, o que para mim é um enorme elogio. Se houvesse interesse de algum realizador em adaptar um dos meus livros para cinema reagiria com enorme entusiasmo. Adorava ver as minhas personagens ganharem corpo e, sobretudo, ver a interpretação de outra pessoa sobre a minha obra.
O que pode adiantar-nos sobre o seu próximo livro?
O meu próximo livro começou a ser escrito em 2020, mas tive de interromper quando surgiu a ideia para o “E se eu morrer amanhã?”, porque a personagem da Helena impôs-se de forma indiscutível. Retomei a escrita em Maio e conto publicá-lo no próximo ano. Posso adiantar que é um género completamente diferente do que tenho escrito até agora, porque considero importante um autor desafiar-se e sair da sua zona de conforto. É uma espécie de distopia num futuro próximo.
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