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Entrevista: Ana Cristina Silva

Por Isabel Daires · Em 18/08/2023

Ana Cristina Silva continua a surpreender-nos com o seu dom para desvendar a vida interior das suas personagens, tanto reais como fictícias – capacidade a que não é alheio o facto de possuir formação em psicoterapia e trabalhar como professora e investigadora no Instituto Superior de Psicologia Aplicada. Dona de um currículo que inclui um livro de contos e 15 romances, vencedora do Prémio Urbano Tavares Rodrigues em 2012 (pela obra “O Rei do Monte Brasil”) e do Prémio Fernando Namora em 2017 (com “A Noite Não é Eterna”), tem-se dedicado, mais recentemente, à escrita de biografias ficcionadas de personalidades como Florbela Espanca, ou Rimbaud – ler críticas aqui e aqui .

A sua obra mais recente, que motivou esta entrevista, intitula-se “À Procura da Manhã Clara” (Bertrand Editora, 2022) e centra-se noutra figura tão pouco convencional quanto as acima mencionadas. Desta vez, trata-se de Annie Silva Pais, a filha do último director da PIDE, que trocou a vida confortável que conhecia por um amor e pelos ideais da revolução comunista cubana. Mais do que narrar a sua história, a autora combina realidade e ficção para nos aproximar dos pensamentos e das paixões que a animaram a levar uma vida que mais parece um romance.

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O livro “À Procura da Manhã Clara” sucede a “Bela”, sendo ambos biografias ficcionadas de duas mulheres: Annie Silva Pais e Florbela Espanca, respectivamente. Que semelhanças e diferenças encontra entre elas?

Ambas têm em comum a procura incessante pelo amor e pela liberdade. Bela, Florbela Espanca, pelo contexto em que cresceu – foi educada pela mulher do pai, sendo que a sua mãe, a amante, ia amamentá-la à casa do pai –, viveu a sua vida em busca do “Prince Charmant”, uma busca obsessiva pelo amor que se reflecte nos seus poemas e nos seus 3 casamentos. Também Annie Silva Pais, provavelmente pela natureza fútil e pouco amorosa da sua mãe, procurou o amor sem nunca verdadeiramente o ter encontrado. A paixão por Che foi igualmente uma paixão do tipo “Prince Charmant”, neste caso “un prince” revolucionário.

Ambas eram mulheres da liberdade. Florbela Espanca foi aquela mulher muito à frente do seu tempo, que andou de calças em Évora (e foi apedrejada), que foi para a Universidade quando quase não havia mulheres a frequentá-la, etc. Annie Silva Pais procurou, com os seus namorados e casamento, fugir da mãe e do Portugal cinzento, e apaixonou-se por Cuba como um espaço de liberdade e alegria revolucionária. Viveram em épocas históricas muito diferentes e, portanto, as diferenças que encontramos são também disso resultado. Annie Silva Pais não era tão dominada pela dor como foi Florbela Espanca, nunca procurou a morte para dar fim a essa dor. Annie Silva Pais tinha uma visão da sociedade mais igualitária e procurou enveredar pela luta social, e essas questões não foram objecto do pensamento da Florbela Espanca no seu tempo.

Como se desenvolveu o projecto de escrita de “À Procura da Manhã Clara”? Quais as fontes de informação que considera pertinente destacar?

A origem terá sido a reportagem que foi publicada no Livro “ A Filha Rebelde”. A história contada era tão inverosímil que, se a quisesse inventar, não teria conseguido. Mas uma reportagem, tal como as biografias, apesar de usar a narrativa tem de se cingir aos factos, enquanto um romance biográfico pode voar. A segunda fonte foram algumas amigas de Annie Silva Pais, na época em que esteve na 5ª divisão em 1975. Tive várias conversas com elas.

Depois várias biografias de Fidel de Castro, de Che Guevara, a história da Revolução Cubana. E também alguns livros sobre o fascismo da Irene Pimentel, outros sobre a revolução do 25 de Abril.

O título faz lembrar uma canção de Zeca Afonso intitulada “Canto Moço”. Confirma essa inspiração? Em caso contrário, a que se deve a escolha do título?

Foi tirado dessa canção. Devo o título ao meu editor Carlos Almeida. E “À Procura da Manhã Clara” pareceu-me logo um excelente título para um romance sobre Annie Silva Pais. A busca por essa “manhã clara” aconteceu incessantemente ao longo da sua vida, tanto em relação ao amor como em relação a uma sociedade mais justa.

O livro refere, em mais de uma ocasião, a tendência de Annie, que remonta à infância, para “aperfeiçoar a realidade através da ficção”. Trabalhar a biografia de alguém assim foi mais um desafio ou uma fonte de prazer?

São as duas coisas. Recriar com a narrativa uma alma através da sua história é sempre uma fonte de prazer, mas também um desafio. E, em certo aspectos, não há nada tão verdadeiro como a ficção para a atingir a singularidade de uma vida.

A relação de Annie com a mãe é caracterizada por uma grande conflituosidade, ao ponto de a sua aversão ao regime do Estado Novo se associar à rejeição da mundividência materna. De que forma a sua formação em Psicologia contribuiu para a recriação das dinâmicas familiares e da evolução das personagens? Em que se baseou para compor a figura da mãe de Annie?

Sem dúvida. Aprofundo e estudo muitas vezes artigos de Psicologia relacionados com uma determinada patologia ou dinâmica, como forma de pesquisa para os meus romances biográficos. No caso deste romance, trata-se de uma relação mãe/filha profundamente paradoxal e tóxica, que levou Annie Silva Pais a construir-se por oposição. A natureza das anotações nas agendas de D. Nita, a mãe de Annie, e algumas das suas atitudes vêm descritas na reportagem “A filha Rebelde”. Por exemplo, no caso de Bela parti da hipótese que era uma borderline e estudei essa patologia; no livro que estou a rever, estudei muito as patologias narcísicas – e por aí fora.

Como pensa que Annie avaliaria o mundo de hoje?

Em retrocesso em relação às questões da igualdade e justiça social.

Podemos contar com mais romances biográficos da sua autoria? É possível adiantar algo sobre novos projectos?

Acabei e estou a rever um novo romance biográfico que será publicado para o ano. Não adianto a personagem, digo apenas que é muitíssimo conhecido, porém não existe um romance biográfico centrado nele desde o século XIX. Detesto a personagem, mas gostei de escrever sobre ele porque me permitiu compreender algo que faz parte da natureza humana – ou pelos menos de muitas pessoas. É romance psicológico sobre o poder numa determinada época histórica, centrado sobretudo sobre o poder. Acho que já dei muitas pistas.

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Isabel Daires

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