“Após uma longa guerra, os Gregos conquistam finalmente a cidade de Troia, que põem a ferro e fogo. Alguns Troianos conseguem fugir da cidade e, liderados por Eneias, partem pelo mar fora em busca de uma nova pátria e de um recomeço para as suas vidas. É destes homens que nos fala Eneida, da sua demanda de um lugar no mundo, da sua chegada a Itália, da sua luta pelo direito a habitar a terra. Dos seus infortúnios e combates, que cumprem o que está determinado pelos Fados, nascerá uma estirpe troiana em Itália, origrm mítica de Roma da sua grandeza.”
Assim reza o primeiro parágrafo da introdução a esta nova edição de “Eneida” (Bertrand Editora, 2020), o poema épico escrito por Público Vergílio Marão, poeta nascido em Andes, perto de Mântua, no Norte de Itália, em 70 a.C.. Um poeta com uma vida passada num período de guerras civis em Itália, a que Augusto pôs termo ao derrotar Marco António na batalha de Áccio, em 31 a.C., a que se seguiu um período mais favorável, que trouxe alguma estabilidade política e a devida prosperidade. A “Eneida” representa, assim, a “glorificação de Augusto e de Roma”, na esperança do estabelecimento de uma nova Idade do Ouro.
Antes da sua morte, sentindo que o texto se encontrava inacabado, Vergílio pediu ao Imperador para o queimar – como Kafka fará muitos séculos depois -, mas Augusto decidiu não o fazer. Encarregou antes dois poetas, Vário e Tuca, de proceder à sua revisão e edição. Estes eram tempos em que imperava a imitação de um modelo, que consistia “o processo canónico para a produção literária”. No caso da poesia épica, os modelos eram os poemas Homéricos: a Odisseia e a Ilíada. Vergílio decidiu fazer um cocktail com uma dose de ambas, juntando-lhe ainda uma medida com os valores próprios da cultura romana. A primeira parte de Eneida é correspondente à Odisseia, os errores de Eneias, enquanto a segunda está ligada à Ilíada, com a guerra pela posse de Itália.
O herói de Eneida é piedoso e cumpridor, tanto para o povo como para os deuses, mas o seu olhar ultrapassa o presente e sonha com “uma pátria futura, por uma missão que o transcende”, com “uma estirpe gloriosa que há-de conquistar e civilizar o mundo”. São dois o plano deste obra épica: o plano mítico, correspondente à chegada de Eneias a Itália, e o plano histórico da Roma de Augusto, que o plano mítico “explica, legitima e engrandece”.
Nesta nova edição, os tradutores Luís Cerqueira, Cristina Abranches Guerreiro e Ana Alexandra Alves de Sousa – professores da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa -, optaram por uma “revisão profunda do texto, corrigindo deficiências da tradução, aperfeiçoando soluções que hoje se nos apresentam de outra maneira, dando ao texto – substancialmente o mesmo – um aspecto formal de verso branco, cuja numeração, à direita da página, remete para o original latino e, à esquerda da página, remete para a tradução em português”.
Canto as armas e o varão que nos primórdios veio
das costas de Troia para Itália e para as praias de Lavínio,
por força do destino, e muito padeceu na terra e no mar
por violência dos deuses supernos, devido ao ressentimento
da cruel Juno; muito sofreu também na guerra, até fundar
uma cidade e introduzir os deuses no Lácio; daqui provém a raça latina, os antepassados albanos e as muralhas da grandiosa Roma.
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