O conceito de inteligência artificial assombra o nosso tempo, com a ameaça da extinção de postos de trabalho e da suplantação, em geral, do humano, a sobrepor-se às inovações promissoras em áreas como a saúde e a segurança. As previsões abundam, mas todas aquelas que se consideram científicas e realistas tendem a concordar num aspecto: a emoção é algo que uma máquina jamais conseguirá sentir.
Neste contexto, é a arte que explora outras possibilidades, tão fascinantes quanto inquietantes, e nos confronta com as suas implicações. É isso que Jorge Gomes Miranda faz com a sua poesia, em “Emoção Artificial” (Gradiva, 2023), transportando-nos para um universo povoado por entidades que, embora artificiais, possuem sentimentos mais profundos do que muitos humanos.
A primeira secção do livro, intitulada também “Emoção artificial”, descreve gradualmente, poema a poema, um futuro onde os robôs estão omnipresentes, desempenhando uma multiplicidade de tarefas e interagindo não só com as pessoas, mas também uns com os outros. Predominam títulos como “O robot vai ao teatro”, “O robot reflecte sobre o livre-arbítrio”, ou “O robot encontra cadernos da primária num armário”. As vozes que nos interpelam são, nuns casos, as dos próprios robôs, noutros as das pessoas que com eles convivem, mas eles são sempre a personagem central, mesmo nos poucos casos em que apenas são referidos na qualidade de alvo de necessidades e ansiedades humanas. Em regra, a máquina mostra-se dotada de emotividade e imaginação, conseguindo transcender qualquer utilitarismo que possa ter estado na base da sua criação. Estes robôs reagem à audição de música através da geração de imagens mentais vívidas, fantasiam possuir um corpo de sangue e músculos, e sofrem com os seus sentimentos, ao ponto de levar a mão à válvula do coração para desligar “esse órgão de sombras”.
A segunda e última secção, “O algoritmo”, afasta-se da figura da máquina individual para se dedicar a esse conceito mais difuso, que podemos definir como uma sequência de instruções ou operações. A esse respeito, segundo o autor, há algo que importa nunca esquecer:
“[…]
o algoritmo
pode ser um utensílio
extremamente útil
se o colocarmos
num campo por lavrar.
Aí transforma-se
numa enxada.”
Caso contrário, a sua dependência de indicações faz com seja alimentado pela ignorância humana, com consequências menos benéficas, sendo o excesso de informação associado à iliteracia.
No entanto, os robôs nunca são responsabilizados pela solidão e pela dor difusa que percorrem este mundo “onde a paixão das pessoas / avaria mais cedo do que as máquinas” e há “prazos cada vez mais curtos / para cumprir a felicidade”. Por decisão humana, mesmo sem intervenção das máquinas, “Somos sempre um número / numa cadeia de números”. Não surpreende, portanto, que se conceba que o ideal de Humanidade possa ser mais facilmente concretizável numa entidade artificial, livre por programação das imperfeições da natureza. Perante essa perspectiva, resta-nos continuar a ponderar o que significa ser-se humano e não perder a esperança no futuro.
“Porque há horas
em que a alegria demora
convém amar a incerteza
e a tenacidade
nunca escurecer
perto dos outros.”
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