Não são muitos os livros infanto-juvenis que abordam a Segunda Guerra Mundial. “O Rapaz do Pijama às Riscas”, de John Boyne, tornou-se um êxito de vendas, possivelmente graças à visão ingénua do jovem protagonista que narra a realidade absurda em que vive – e sobretudo depois da adaptação cinematográfica que levou esta história a um público muito mais vasto. Não se poderá considerar “O Diário”, de Anne Frank, um livro infanto-juvenil per se, tal é a intensidade da narração verídica da jovem rapariga que partilha a sua horrenda experiência enclausurada no centro da Polónia nos anos ’40: trata-se, sim, de um registo histórico ao mais alto nível. Estes são bons exemplos de obras que prendem a atenção do leitor e que conseguem expor o cenário e o absurdo desta guerra, as vivências das vítimas do Holocausto e a incompreensão face ao que de pior foi revelado pela espécie humana.
Escrever para não esquecer. “Em Breve” (Fábula, 2020), de Morris Gleitzman, conta a vida de Felix, o jovem judeu que dá por si no meio de uma guerra que não entende e que, num instante, perde tudo o que era importante para si e se vê na mais absoluta das solidões enquanto tenta sobreviver.
Acompanhamos o rapaz na Polónia pouco tempo depois de a guerra terminar, embora isso não tenha significado necessariamente o fim dos horrores. Entre fome, fuga de gangues organizados e uma longa espera que o levará de novo à (nova) normalidade, Felix passa por inúmeras provações, que o testam ao limite – e, note-se, esta criança é um raro sobrevivente de um campo de concentração.
O que tem Felix de tão especial? A sua essência. A guerra não o quebrou e Felix não se rendeu aos piores instintos do ser humano. Pelo contrário, o que o caracteriza é a sua bondade, empatia e resiliência em contribuir para um mundo melhor, ainda que tal só possa acontecer de dia para dia, dentro dos poucos meios e recursos que tem ao seu dispor – e ainda que isso o possa prejudicar. Encontra um bebé e leva-o nos braços para o tornar seu. Dá-lhe um nome e luta por o alimentar e, no contexto, isto coloca a sua vida em risco. Em breve, em breve, em breve. Tudo na vida de Felix é a esperança de que, em breve, tudo seja melhor – e é isso que permite que continue a (sobre)viver.
História nenhuma sobre a Segunda Guerra Mundial pode ser feliz ou fácil de ler, mas o que o autor talvez tenha pretendido fosse precisamente colocar uma luz no fundo do poço. É fácil gostar de Felix, o jovem altruísta que não se esqueceu de quem é ou do seu passado, e cujo bom senso o acompanha para onde quer que vá. O que fica a faltar é a ligação com as personagens. A narração parece ser rápida e superficial, como quem resume uma história e se esquece do calor necessário para envolver os restantes. A história não é memorável pois, por mais doce que seja Felix e por melhores que sejam as suas intenções, não há os elementos necessários que possam levar “Em Breve” a ser equiparado a “O Rapaz do Pijama às Riscas”. Contudo, pode ser um bom início para jovens leitores: com esta abordagem simples e linear, talvez seja possível cativá-los a conhecer mais sobre a História.
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