A tradução é um mundo. Quem o diz é João Barrento no prefácio a “Elegias de Duíno e Os Sonetos a Orfeu” (Quetzal, 2017), de Rainer Maria Rilke, designando o tradutor – sobretudo o de poesia -, e no caso particular Vasco Graça Moura, como um verdadeiro autor: “Vasco Graça Moura é um poeta que se assume, e tem todas as razões para isso, como autor das suas traduções de poesia“.
Tudo dependerá da noção que se tenha do acto de escrita a que se chama de tradução, bem como dos limites que andam sempre na corda bamba entre a reprodução, a criação e a transformação. Vasco Graça Moura, como já havíamos comprovado recentemente com “Os Sonetos de Shakespeare”, é um transformador por natureza, criando uma voz paralela à proferida pelo autor original.
Em Elegias de Duíno acompanhamos a transformação da existência humana em imagens poéticas, onde a vida surge aos olhos do leitor como uma tremenda impossibilidade, pautada pela solidão e pela ansiedade. Estas Elegias começaram a ser compostas em 1912 no Castelo de Duíno, no Adriático, emprestado a Rilke por uma amiga princesa, tendo sido completadas uma década mais tarde num outro castelo suíço, um pouco menos luxuoso segundo consta.
Sonetos a Orfeu reúne 55 sonetos, divididos em duas partes, que habitam um universo feito de contradições e paralelismos: o reino dos mortos ao lado do reino dos vivos; os deuses diante dos humanos; a natureza contra a máquina; a música penetrando num espaço reservado ao ruído. Tudo criado em volta do Uno fundamental, a matriz onde tudo começa e acaba, num ciclo eternamente em loop.
“Somos quem se apresse.
Do tempo a passada
tomai-a por nada
no que permanece.
Tudo o que acelera
foi depressa e vão,
no que fica, espera
nossa iniciação.
Ao tentardes vôo,
juvenil ardor
não gasteis em vão.
Tudo repousou:
o livro e a flor,
luz e escuridão.”
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