Criada por Tiziano Sclavi no ano de 1986, a série Dylan Dog acabou por gerar algum culto entre os amantes de banda desenhada a preto e branco – sobretudo em Itália, onde foi publicada na Sergio Bonelli Editore. O primeiro número, intitulado “L’Alba dei Morti Viventi”, foi desenhado por Angelo Stano, e apresentou-nos a este investigador do paranormal, do pesadelo e do oculto, que parece ter pelo menos uma costela arrancada a Corto Maltese, esse herói maior criado por Hugo Pratt.
As histórias, com muito de cinefilia e ainda mais de sobressalto, cruzam o policial, o humor e o erotismo com um pensamento algo existencialista, onde se enfrentam fantasmas, demónios, vampiros, mortos-vivos, lobisomens, mas também sociopatas e assassinos em série, com um toque extra de surrealismo que, então, veio a acrescentar algo diferente ao género do horror.
Como parceiro de aventuras, Dylan conta na maior parte das vezes com Groucho, uma homenagem pouco velada a Groucho Marx, que adiciona algum tempero humorístico ao feitio algo sombrio de Dylan.
Em Portugal, Dylan Dog começou a ser publicado em formato série a partir de 2019, com os dois primeiros volumes a chegarem às livrarias com o selo da G. Floy e, os restantes – neste momento são cinco os títulos publicados -, sob a chancela da editora A Seita.
O primeiro volume, intitulado “O Velho que Lê” (G. Floy, 2019), reúne duas histórias. Na história que dá título ao livro, com textos e desenhos de Fabio Celoni, Dylan investiga o desaparecimento de Ezra, um velho obcecado por livros que prefere a solidão e o silêncio. No banco onde estava a ler antes do seu desaparecimento, ficou esquecido um marcador com alusão a Dylan Dog, impresso cerca de trinta anos antes de Dylan ter nascido. Um acontecimento que irá levar o leitor a um mundo povoado por personagens literárias, apresentando uma expressão muito usada por Dylan Dog – Judas Dançarino! – e a um olhar sobre a velhice e a marca que poderemos ou não deixar para trás: “Como calibrar novamente a balança, quando a sucessão dos últimos dias nos deixam mais leves?”.
“A Pequena Biblioteca de Babel” desconstrói o conto e o imaginário do mestre Jorge Luis Borges, numa história bem humorada onde há desaparecimentos súbitos e muita invisibilidade. Um lugar que serve de homenagem à literatura, onde “tudo está escrito num dos seus volumes. Tudo o que acontece, desde o nascimento até à morte. Tudo está ali dito, instante a instante, desde as estrelas imensas às partículas de poeira”.
O segundo volume inclui a história “Até que a Morte Vos Separe” (G. Floy, 2019), o #100 da série original, com textos de Mauro Marcheselli e Tiziano Sclavi e desenhos de Bruno Brindisi. Uma história inspirada na luta armada pela independência da Irlanda do Norte encetada pelo IRA, e nas circunstâncias da morte de Bobby Sands, o activista irlandês falecido na prisão em Maio de 1981, na sequência de uma greve de fome que durou 66 dias.
Aqui, Dylan, que então servia como agente na Scotland Yard, vê um colega morrer na sequência da explosão de uma bomba do IRA, acabando por se apaixonar por Lillie Connoly, uma jovem activista irlandesa com quem vai viver um romance a que Shakespeare chamaria um figo antes de a escrever como peça. Trata-se da primeira vez em que esta história foi publicada a preto e branco, numa edição que inclui uma bem desenhada biografia dos autores.
“Trevas Profundas” (A Seita, 2019), o terceiro volume da série portuguesa, assinala a estreia na escrita para banda desenhada de Dario Argento – aqui na companhia de Stefano Piani. O mestre do terror no cinema assina o argumento desta história única onde Dylan procura uma misteriosa mulher que descobriu nas fotografias de uma exposição e que, desde então, não pára de lhe surgir de forma bem real nos sonhos, lançando-o no mundo do BDSM – bondage e disciplina, dominação e submissão, sadomasoquismo e outros padrões de comportamento sexual.
Uma história ilustrada de forma bem sombria por Corrado Roi, onde nos é dada uma lição sobre os whipping boys – “Devido à diferença de classes, um perceptor não podia castigar o filho dos seus patrões, por isso compensava num substituto, o tal de whipping boy. A parte didáctica, se a quisermos chamar assim, consistia no facto do culpado ser obrigado a assistir à punição.” – e onde surge uma caracterização alternativa da nobreza por ela própria – “Somos apenas uns parasitas, criaturas vazias e improdutivas, que prosperam explorando os seus semelhantes”. Pelo meio há referências às 50 Sombras de Grey ou ao Código Da Vinci, numa história onde Dylan Dog resume a sua missão na Terra: “Não me cabe a mim julgar aquilo que aconteceu. Apenas posso tentar compreender”.
Para além destes três volumes, estão já disponíveis nas livrarias – com o selo de A Seita – os volumes “O Imenso Adeus” e “Após Um Longo Silêncio”.
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