Em 1956, a Argélia é um território francês mergulhado numa profunda crise política, com movimentos nacionalistas a reivindicarem a independência – ou, pelo menos, a igualdade de direitos face aos europeus, enquanto as autoridades coloniais procuram manter o status quo por todos os meios, incluindo acções bárbaras por parte das forças armadas e da polícia.
É para este ambiente que Joseph Andras nos transporta, em “Dos Nossos Irmãos Feridos” (Antígona, 2021), para contar a história de um operário idealista de ascendência europeia, que cresceu num bairro maioritariamente árabe. O seu nome é Fernand Iveton (1926-1957) e, pouco tempo após a perda de um irmão, morto por ter desertado do exército francês para entrar na clandestinidade e apoiar o movimento independentista argelino, coloca uma bomba numa fábrica. O acto, planeado em conjunto com um grupo rebelde que reúne europeus e árabes de várias crenças, é simbólico, calculado de maneira a causar apenas danos materiais, pois Iveton condena a violência cega e não pretende matar ninguém. Devido a uma denúncia, a bomba é localizada e nem sequer explode, mas isso não o salva de ser preso, torturado e condenado à morte.
Numa escrita fluida, o autor recria o mundo interior do protagonista, onde o amor pela esposa só é comparável ao desejo de contribuir para a criação de uma nova Argélia, “em que o colonialismo não passará de uma má recordação, um parêntese funesto na narrativa da exploração do homem pelo homem, o país onde os árabes não terão de curvar a espinha, o país onde o Estado será soberano e independente da França”. Até à madrugada em que é despertado e conduzido à guilhotina, Iveton acredita que a condenação à pena capital será comutada em tempo de prisão, por ser “impossível que o executem sem ter matado ninguém”. Afinal, “a França pode ser uma república colonial e capitalista, mas não é uma ditadura; saberá ter em conta as circunstâncias”. Contudo, para a França, que recusa admitir que está a decorrer uma guerra, “ele é o traidor, o infame, o branco vendido aos mouros”. A opinião pública exige que sirva de exemplo, e o facto de ser um militante comunista também não contribui para conquistar a simpatia popular.
Graças a esta obra, o autor que se escuda sob o pseudónimo Joseph Andras foi distinguido em 2016 com o Prémio Goncourt para romance de estreia, mas recusou-o, pois a sua visão da literatura “não é compatível com a ideia de competição, e a concorrência e a rivalidade são alheias à escrita e à criação”. Não será irrazoável deduzir desta afirmação que a empatia entre ele e este seu protagonista contribuiu para a escrita de um texto ao qual é impossível ficar indiferente.
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