Dante Alighieri (1265-1321), celebrizado pelo épico ”A Divina Comédia”, é há muito considerado um dos grandes vultos da literatura universal, mas persistem incógnitas acerca do homem por trás do nome. O italiano Alessandro Barbero, romancista e historiador especializado na Idade Média e em História Militar, contribui para esclarecer várias questões, numa biografia cuja publicação assinalou os 700 anos da morte do genial poeta e autor de tratados políticos: “Dante: Uma Vida” (Quetzal, 2021).
A obra começa pela descrição de uma batalha em que o jovem Dante participou, em condições que ajudam o biógrafo a averiguar se seria ou não nobre. O apuramento da posição social é complexo, mas relevante para a compreensão do contexto em que vivia e do percurso realizado. Só depois são aprofundados os temas da família, dos estudos, da produção literária e da participação na administração da cidade-estado de Florença, onde nasceu e viveu até ser banido, aos 35 anos. A agitação política nesta cidade – que era uma das maiores metrópoles da Europa, marcada por um dinamismo económico que permitia “enriquecimentos rapidíssimos” e mobilidade social –, condenou Dante à vida instável de exilado, impedindo-o de se deter muito tempo num lugar e levando-o a afirmar ter “por pátria o mundo como os peixes têm o mar”.
Tratando-se de uma figura pública da sua época, “autor de uma obra-prima de que se falava em toda a Itália”, dispomos de textos que foram desde então escritos sobre ele, mas essa documentação nem sempre facilita a tarefa dos biógrafos. Segundo Barbero, “o que para um estudioso é virtualmente uma certeza, para outro é um absurdo que não vale a pena sequer discutir”, pois as tentativas de unir numa trama coerente o que se julga saber sobre Dante variam de modo surpreendente, face à ausência de dados seguros. O próprio redigiu afirmações autobiográficas divergentes e juízos contraditórios em momentos distintos, por mudança sincera de opinião ou pressão política, pelo que a profunda análise historiográfica de Barbero se assemelha a uma investigação detectivesca. Acompanhando os seus meandros, encontramos curiosidades que enriquecem a leitura, incluindo diferentes costumes e formas alternativas de medir a passagem do tempo – as quais perturbam o estabelecimento de cronologias.
Apesar do cuidado com tais pormenores, sente-se a falta de contextualização histórico-política de alguns acontecimentos. Por exemplo, o livro começa com o conflito entre guelfos e gibelinos, mas sem explicitar o que cada facção defendia. Adicionando a isso a maneira como são feitas certas alusões literárias, bem como a ausência de tradução de citações em latim que se encontram nas notas, ficamos com a impressão de que o texto se destina mais a um público familiarizado com a obra de Dante e com a história italiana do que a leigos nessas matérias. No entanto, compensará fazer um pouco de pesquisa complementar, sempre que necessário, a fim de se apreciar este trabalho de grande fôlego, que lança mais luz sobre uma das estrelas do cânone ocidental.
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