O género heavy metal é por vezes apoucado, tido como primário, mero fio condutor para a agressividade e pouco mais. Porém, se nos dermos ao trabalho de raspar um pouco a superfície das músicas, podemos deparar-nos com uma densidade literária inesperada. “Culto Eléctrico” (Grupo Narrativa, 2022), do jornalista e escritor Ricardo S. Amorim, é a prova viva desta tese. O livro reúne uma série de artigos de análise sobre bandas e escritores que, de alguma forma, materializam o espírito rock n’roll deste culto singular, que encara as guitarras eléctricas como deusas.
Cansado das matérias mais leves e corriqueiras focadas nas bandas actuais, Ricardo inspirou-se em revistas clássicas de música, como a Mojo e a Uncut, e começou a produzir artigos mais longos, de investigação, para a revista portuguesa LOUD!. Francisco José Viegas, editor da revista Ler, convidou-o depois a fazer um artigo de fundo sobre a relação entre o heavy metal e a literatura – daí até termos em mãos este tomo de 250 páginas foi um saltinho.
Encontramos por aqui algumas histórias deliciosas, como a do tema “Sacred Love”, dos Bad Brains, que o vocalista H.R. teve de gravar a partir do telefone da cadeia, por ter sido preso por posse de marijuana; ou o facto de Tony Iommi, guitarrista dos Black Sabbath, ter perdido as pontas dos dedos num acidente de trabalho e, por causa disso, ter improvisado pequenas próteses artesanais – para que as cordas não estivessem tão tensas, aprendeu a tocar baixando a afinação da guitarra. Provavelmente, foi o seu acidente que deu origem ao heavy metal.
Amorim é um jornalista com tarimba na área da música: escreve há mais de 20 anos para publicações do género. O metal corre-lhe nas veias, tendo sido exposto desde tenra idade à energia demolidora de bandas como os Iron Maiden, os Slayer ou os Metallica. É também autor da biografia dos Moonspell, “Lobos que Foram Homens”. Como não podia deixar de ser, a banda não é esquecida neste livro. Um dos artigos fala da génese de “Hermitage”, álbum de 2021 que o escritor acompanhou de perto. Em contrapartida, o vocalista dos Moonspell, Fernando Ribeiro, assina o prefácio da obra.
O livro dá primazia clara às guitarras de arestas mais cortantes. No entanto, o jornalista revela um interesse ecléctico – ora se escreve sobre Bathory, uma banda de Death Metal, ora sobre a escrita de Bukowski e J. G. Ballard; conhecemos as loucuras de Ozzy Osbourne e o génio de David Bowie; há ainda espaço para Jimi Hendrix, Ernest Hemingway, os Mastodon, Ray Bradbury, Mão Morta e muitos outros.
Amorim traça curvas de aproximação entre todos estes nomes, para gáudio de quem tem na música e na literatura duas paixões igualmente fervorosas. As ilustrações a preto e branco, de Pedro Sousa e Silva, dão ainda mais pinta a este bonito livro de capa dura, que fica a matar na biblioteca de qualquer melómano que se preze.
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