Poderia tratar-se de um simples caso de baralhar e voltar a dar, mas a verdade é que Rick Riordan, autor de série apontadas aos mais jovens como Percy Jackson, Magnus Chase ou Os Heróis do Olimpo, consegue nestas “Crónicas de Kane” (Planeta, 2016) sair-se com uma muito bem desenhada aventura, que tem nos deuses egípcios o seu grande alimento.
Carter e Sadie são os narradores à vez desta aventura, irmãos que, desde a morte da mãe e recuando seis anos no tempo, vivem separados. Enquanto Carter ficou a cargo do pai, o brilhante egiptólogo doutor Julius Kane, partindo em constantes viagens pelo mundo, Sadie vive em Londres com os avós maternos. Vidas muito distintas que neles provoca uma inveja mútua: Carter inveja o facto de Sadie poder ter uma vida normal, feita de idas à escola e de amigos que pode ver quase todos os dias; Sadie inveja as viagens de Carter mas, sobretudo, o tempo que este passa com o pai. Carter é um rapaz meticuloso, sério, enquanto Sadie tem um invulgar sentido de humor indo sempre directa ao assunto. Em comum, apenas parecem ter o facto de usarem amuletos egípcios.
“A Pirâmide Vermelha” (Planeta, 2016) começa quando Julius Kane, na véspera de Natal, leva os filhos ao British Museum, claramente perturbado e repetindo que irá “pôr tudo em ordem“. A verdade é que as coisas correm mal, acabando por rebentar parte do museu após a evocação de uma misteriosa figura, que o faz desaparecer do mapa. É então que os manos decidem abrir o saco preto que o pai tem carregado toda a vida – que recorda aquele saco que Sport Billy carregava nos anos 1980 -, e rapidamente se verão atirados para um mundo de superstições, profecias e ameaças à ordem do mundo, descobrindo que os deuses do Egipto estão a despertar e que Set, o mais ruim deles todos, preparou para eles – e para o mundo – um projecto diabólico. Rapidamente Carter e Sadie irão descobrir as ligações da família Kane à Casa de Vida, uma ordem secreta cuja existência remonta ao tempo dos faraós e, com isso, despertar algo neles que desconheciam de todo.
É neste primeiro livro que iremos travar amizade com algumas das personagens que irão atravessar – espera-se, caso não haja uma vertigem Martinesca – toda a série: Amos, o irmão de Julius, que tem o poder de mexer com a mente alheia e conhece atalhos temporais que se percorrem à velocidade da luz; Khufu, um babuíno que só come coisas que rimam umas com as outras; Zia, um gato pachorrento que parece nunca envelhecer e que, à primeira oportunidade, se revela uma deusa com poderes que não são de deitar fora; ou Anúbis, um deus que todos vêm com o aspecto de um monstro mas que, aos olhos de Sadie, mais parece um modelo dos catálogos de roupa interior.
“O Trono de Fogo” (Planeta, 2016) oferece, para aqueles que não leram o primeiro volume, um curto e sucinto resumo, mas aponta desde logo o grande perigo: “uma grande cobra está prestes a engolir o sol e a destruir o mundo.” Fala-se aqui de Apopis, a serpente do caos, que mais parece um gato com as muitas vidas – e peles – que vai deixando para trás. Agora Carter e Sadie não estão sozinhos, treinando novos recrutas para os ajudar a salvar o mundo: Jasmine – mais conhecida por Jaz -, que revela um grande talento para a magia curativa; e Walt, um exímio fabricante de talismãs.
Para salvarem de novo o mundo, terão de fazer algo que nenhum mágico conseguiu fazer: trazer de volta o velhinho e macambúzio Ré, deus-sol, recolhendo primeiro as três secções do Livro de Ré e aprender os feitiços que nele se escondem. Nesta viagem que vai dos Estados Unidos a Inglaterra, com uma paragem obrigatória na Rússia, não faltam personagens habitadas pela estranheza, como um grifo chamado Freak ou um feio anão que se passeia em fato de banho. Ou o regresso de Desjardins, que parece ter uma paixão louca pelo lado negro da Força – ou o que quer que os egípcios lhe chamariam.
Em ambos os livros a receita é a mesma: uma acção constante, muito sentido de humor e uma narrativa que oferece aos mais novos um pequeno vislumbre da magia, das lendas e da glória que associamos ao antigo Egipto.
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