No ano passado destacávamos por aqui “Criminosos do Sexo” como uma das apostas mais refrescantes da Image Comics. O humor descomprometido e de cariz sexual, associado a esta história, rapidamente foi espalhando o seu encanto ao longo do globo, e era apenas uma questão de tempo até chegar a Portugal (ou assim esperávamos nós). A Devir meteu mãos à obra e trouxe-nos agora o primeiro volume, no qual se encontram reunidos os cinco primeiros fascículos.
De entre as imensas variações que têm sido criadas na Banda Desenhada sobre pessoas dotadas com habilidades especiais, “Criminosos do Sexo” é uma das que mais sobressai. Curiosamente não tanto pelos poderes, mas pela forma como estes são despoletados. É que neste universo, criado por Matt Fraction e Chip Zdarsky, existem pessoas capazes de parar o tempo… quando atingem o orgasmo. Se o sexo pode funcionar como um escape na vida mundana, aqui essa definição assume todo um novo e mais alargado espectro. Em “Criminosos do Sexo” há pessoas que vêem literalmente luzes ao atingir o clímax (ondas de cores são usadas para ilustrar o tempo imóvel).
Logo nas primeiras vinhetas somos apresentados a Suzie e Jon, o duo protagonista, que se encontram no WC de um banco a prepararem-se para parar o tempo, tudo com o objectivo de assaltar este estabelecimento. Com tamanha abertura é indiscutível que Matt Fraction sabe prender a atenção do leitor; porém, apesar de toda a diversão que este poder pode proporcionar, o autor sabe igualmente que esta é uma história muito mais interessante se for explorar a sexualidade das suas personagens e se esta foi afectada, por isso, antes de avançar mais, somos logo transportados para o passado das mesmas, a fim de conhecer as suas motivações, deixando este assalto invulgar para segundo plano. Em todos os capítulos somos sempre brindados com algum desenvolvimento, por mais curto que seja, sobre este delito; no entanto, o grande sumo de “Criminosos do Sexo” está sempre na forma como nos dão a conhecer Suzie e Jon – o raio daquela rapariga e o raio daquele rapaz!
A química entre Fraction e Zdarsky é bem notória ao longo da leitura. São muitas as ideias que os empolgam, notando-se sempre uma preocupação em saber aproveitar ao máximo o espaço de cada prancha, sem nunca descurar o ritmo de cada cena – quase conseguimos imaginar o quanto a realização desta série os divertiu. Outro aspecto que Zdarsky nunca descura é a expressividade – tão importante – de cada personagem, as emoções pelas quais estão a passar são sempre muito bem transmitidas através dos desenhos, conseguindo ser perceptíveis mesmo sem o auxílio aos diálogos.
Em “Criminosos do Sexo” não existem restrições ou tabus, todos os assuntos são permitidos e, tanto os protagonistas como os próprios autores, se podem dirigir a nós, leitores, sempre que assim o desejarem, o que torna tudo ainda mais pessoal e intimista – como se estivéssemos a conversar com bons amigos. Um dos momentos que se tornou mais emblemático na série foi precisamente a cena em que é suposto Suzie cantar “Fat Bottomed Girls”, dos Queen, uma cena que teve de ser censurada por falta de direitos de autor e que acabou por ser substituída pelos comentários humorísticos de Fraction. Uma vez que nos fascículos originais o autor tinha prometido voltar a tentar ter os direitos da canção para o volume compilado, desta vez volta a alterar esse texto, mas apenas para explicar porque voltou a falhar na sua ideia original – claro que, por esta altura, já ninguém quer aquela cena com a respectiva letra da canção.
No meio de tanta brincadeira, os autores não resistiram a inundar estas páginas de referências, algumas mais subtis do que outras, e que vão desde a melhor utilização de sempre de uma citação de “Lolita”, de Nabokov, passando pela versão pornográfica de “Barton Fink”, dos irmãos Coen, ou um simples túmulo, escondido a um canto, de Frank N. Stein. Nos extras podemos contar com versões alternativas para as cenas alteradas do já mencionado filme “Barton Fink”, o argumento de um drama radiofónico erótico criado pelos autores, bem como o exemplo do processo de criação de uma prancha. Por fim, ainda somos brindados com a selecção das melhores capas alternativas que vale bem a pena conhecer, ou não fosse este um aspecto no qual “Criminosos do Sexo” sempre se destacou, com a opção por um design – nas capas originais – minimalista lindíssimo, que resultou em algumas das melhores da actualidade a serem publicadas no mercado norte-americano.
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