A produção prolífica e diversificada do escritor inglês D. H. Lawrence (1885- 1930) incluiu novelas, histórias curtas, poemas, peças, ensaios, livros de viagem, pinturas, traduções e críticas literárias, sempre numa reflexão alargada sobre os efeitos desumanizadores da modernidade e da industrialização.
“Crepúsculo em Itália” (Tinta da China, 2016), na recente tradução portuguesa do primeiro livro de viagens deste escritor, é caracterizado no prefácio de Jan Morris como “reportagem metafísica” que não é fácil de ler “pelo estilo luxuriante por vezes impenetrável do livro”. Lawrence, então com 27 anos, era um iniciante, facto que em nada atraiçoa o génio já ínsito neste livro.
Estamos, como diz Jan Morris – ela própria uma historiadora e escritora de viagens –, a ler verdadeiramente um somatório de ensaios. O leitor interessado em Itália deve começar pela página 51 deste “suposto livro de viagens”. O que fica para trás é um longo texto, profusamente eivado de teologia bávara e de considerações místicas, religiosas e poéticas, que fazem o leitor adivinhar o desalento e a descrença premonitórios do que há- de vir: “A Baviera tem uma espiritualidade vaga, ainda desprendida (…) Por toda a parte deparamos com a mesma obsessão com o facto da dor física, com os acidentes e com a morte súbita”.
Este “roteiro de viagens”- a pé e de comboio- é o pretexto para Lawrence utilizar a paisagem e as pessoas que conheceu na aldeia italiana (a velha fiandeira, os monges, a família de camponeses – Maria Fiori e Paolo e seus três filhos -, a Signora Gemma e o marido Signor di Paoli, Il Duro, o “John”, etc.) como o pano de fundo para profundas análises e introspecções confessionais sobre a filosofia existencial, o sentido da vida, a natureza, a religião e o destino dos homens. Nostálgico, especulativo e premonitório das mudanças, o autor anuncia os acontecimentos que ameaçam este “idílio campestre italiano”: o advento da Era Industrial e da Grande Guerra, que mudariam para sempre a vida na Europa.“É a crueza hedionda do mundo dos homens, a aspereza horrenda e desoladora do avanço do mundo industrial a invadir o mundo da natureza, que se torna tão pungente (…), uma espécie de desintegração árida que avança sem cessar(…)”
Lawrence considera que a desintegração se inicia quando o camponês sai da sua terra e se transforma num operário (o proletário): “Estes operários italianos trabalham o dia inteiro […] no seio da desintegração, como larvas no queijo apodrecido. […] A recordação do vale do Ticino é para mim uma espécie de pesadelo.”
“Crepúsculo em Itália” demonstra inequivocamente o quão virtuoso das palavras Lawrence é, fazendo belíssimas descrições da natureza (evidenciando preocupações ecológicas arreigadas) e tecendo, igualmente, belíssimas caracterizações do “homem italiano desde o Renascimento em deleite estético e sensual” e dos seus sentimentos enquanto viajante de lugares montanhosos: “Ali, longe do mundo, as aldeias eram pacatas e obscuras-tinham ficado para trás. Reinava ali uma atmosfera fascinante dos lugares esquecidos, deixados à margem do mundo, que se sente nas velhas aldeias inglesas. E, ao comprar maças e queijo e pão numa lojinha que vendia tudo e cheirava a tudo, senti-me de novo em casa”.
Sem Comentários