“Um poeta sem livros publicados”. Foi desta forma que Silvestre Pestana (1949, Funchal, Madeira), poeta, artista plástico e performer, se apresentou na visita guiada à exposição “Silvestre Pestana. Um Artista de Contraciclos”, patente até dia 12 de Março no Cine-Teatro Garrett, Póvoa de Varzim, no âmbito da edição 23 das Correntes d`Escritas. Uma exposição que integra o Programa de Exposições Itinerantes da Coleção de Serralves, que tem por objectivo tornar o acervo da Fundação acessível a públicos diversificados de todas as regiões do país.
Desde finais dos anos 1960, Silvestre Pestana criou uma obra singular através de uma grande diversidade de disciplinas. A partir de obras integradas na Coleção de Serralves, bem como de trabalhos pertencentes à Coleção do Artista, esta exposição sublinha os cruzamentos entre a poesia e as artes visuais que marcam a sua prática, destacando-se o uso pioneiro do vídeo, da performance e da instalação, num confronto entre sociedade, arte e tecnologia.
Em dias assombrados por uma guerra no velho continente, Silvestre recordou os tempos da Guerra Colonial e da Guerra Fria, numa viagem até aos anos 1960/70, momento da linha temporal em que o poeta tinha voz mas era privado de corpo. Uma mutação imposta pela televisão que, para além de corporizar a poesia, fez Silvestre encontrar o seu foco: criar obras reais que acompanhem o tempo, sínteses essenciais que recusem a retórica, actos contestatários simbólicos.
Numa visita guiada empolgante, Silvestre percorreu vários momentos da sua obra, numa viagem relâmpago que foi, ela própria, uma performance poética. Em poucos minutos, Silvestre levou-nos ao limite da arte no século XX, uma moldura conceptual que forçava o artista a enfiar o seu corpo lá dentro – “Se não cabe, amarra!”, gritou Silvestre, como que numa ilustração sonora a um dos vídeos; ao vitrinismo, com poemas que partem da ideia de escultura a outros que assumem a disposição de um papiro não enrolado, metáforas visuais para versos; a partir de uma instalação de radiografias faiscantes, com selos coloridos que contrastam com o preto e branco de ossos e cartilagens vistos à máquina, Silvestre fala da radioactividade como uma visão através do eu, contrapondo, à radioactividade nuclear, o optimismo, no sentido do prolongamento da vida – “nas coisas terríveis encontramos luz para a existência”; há ainda um mergulho nos poemas experimentais a partir do spectrum, frutos da tentativa e do erro, já com referências a Portugal e à comunidade europeia, que se vão construindo em random.
Ao falar sobre a imagem do ovo, Silvestre revelou que o propósito foi o de “fazer a psicosíntese, dizer muito com pouco, ser exacto”, num poema-país que apenas poderia resultar na língua portuguesa. Uma forma de sintetizar o país, mesmo sabendo que “os países todos os dias são novos”.
Sobre os seu mais recente trabalho, vídeos-poema em formato gif, falou-se do corpo do poeta como um avatar, quase um heterónimo digital, levantando-se uma questão fundamental para quem veio ao mundo quase agora: haverá literatura para os jovens que nasceram no ano 2000, para os visualizadores das sociedades digitais? “O meu mundo não lhes pode servir de cercadura” – mundo que, para Silvestre, lhes pertence, cabendo a quem por cá anda há mais tempo adaptar-se, criar formas de aproximação e assumir o papel de ouvinte, de espectador atento aos intervalos do mundo. “O meu entusiasmo vem do direito à vida”, rematou um acelerado Silvestre que, no final da visita , ainda arranjou fôlego para cumprimentar cada um dos participantes, conduzindo o corpo digital para o campo terreno.
Fotos: Luisa Velez
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