Em “Conta-me Tudo” (Alfaguara, 2025), Elizabeth Strout volta a mergulhar nas profundezas das relações humanas, mesmo quando parece não contar nada de especial. O tão esperado romance, que reúne duas das suas personagens mais emblemáticas – Olive Kitteridge e Lucy Barton -, é isso mesmo: um romance onde se conversa sobre o quotidiano.
O livro acaba também por ser muito sobre Bob Burgess que, com uma presença discreta, se torna essencial. A sua forma de estar, simultaneamente gentil e observadora, contrasta com as personalidades mais intensas de Olive e Lucy (e a própria Margaret), funcionando como um ponto de equilíbrio nas várias relações que Strout traz a palco.
“Bob não lhe contou mais nada sobre Pam e o seu alcoolismo e o seu filho que se vestia com roupa feminina. Escutou a mulher. Mas, pela cabeça, passou-lhe sem querer a história que Olive contara a Lucy sobre viver com um fantasma no casamento, pois pensou: vou falar da Pam à Lucy e ela vai interessar-se.”
A essência da narrativa é marcada por uma constante tentativa de compreender e apoiar os outros, o que acresce humanidade ao enredo, reforçando a ideia de que as ligações humanas se constroem tanto nos grandes encontros como nos gestos mais pequenos. O que se diz é subtil, mas impactante. Strout explora a complexidade do que nos vai dentro, revelada nas camadas mais íntimas das suas personagens. Através de diálogos perspicazes e situações do dia-a-dia – e outras mais caricatas -, expõe as fragilidades, os arrependimentos e as (talvez poucas) esperanças que moldam a vida diária e a crença no futuro.

A interacção entre Olive e Lucy serve como um espelho das vulnerabilidades de cada uma, proporcionando momentos de introspecção tanto para as personagens como para os leitores. A fragilidade e a solidão, a incerteza no futuro e no amor, são os pontos cruciais deste livro; sem esquecer a história paralela de Matt, que estabelece um fio condutor que permite olhar o sofrimento dos outros, não deixando ninguém de fora. Nem sequer quem tanto se esforça por não incomodar, tanto que se torna invisível (como Helen).
A ambientação ao cenário familiar e ao banal é, como referiu Strout em recente conversa na FLAD, o que mais a encanta, sendo o mais enriquecedor para qualquer narrativa. Continuar a acompanhar as memórias de Lucy Barton, ou da imortal Olive, alimenta uma sensação de continuidade e realismo que Strout pretende manter, especialmente quando cada vez mais escreve no presente e sobre o presente.
“Conta-me Tudo” é uma obra rica em detalhes. A passagem das estações do ano e a observação da Natureza convidam ao olhar atento sobre que nos rodeia, a respirar e a parar. Logo a abrir, Strout pede ao leitor que inspire e dê tempo à compreensão mútua, numa frase que reafirma o seu talento em compreender a essência da condição humana: “E quem – quem quem quem no mundo inteiro – não quer ser ouvido?”.
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