Nascido em 1966 em Bihar, Índia, Tabish Khair é considerado por muito boa gente como um dos mais originais escritores indianos. Nos dias que correm lecciona na Universidade de Aarhus, na Dinamarca, colaborando com jornais como o Times of India, Hindu ou The Guardian.
Após a edição em 2011 de “Lugar Marcado” – o primeiro livro de Tahir publicado em Portugal -, a Nova Delphi volta a apostar no autor com a publicação de “Como combater o terrorismo islâmico na posição de missionário” (Nova Delphi, 2015), um livro que, através de um humor corrosivo e um certo toque de melancolia, nos faz olhar não apenas para as questões de aceitação e preconceitos sobre os muçulmanos como, também, sobre a forma como cada um – seja de que nacionalidade ou religião for – é aceite quando decide fazer vida num país que não o seu.
A história está centrada em dois académicos, um paquistanês ateu – o narrador – e um indiano agnóstico – Ravi – que se mudam para o apartamento de um taxista muçulmano, bem mais velho do que eles – e que ficará a viver na sala. O livro é contado do presente para o passado, anunciando um incidente que apenas nas páginas será revelado por inteiro. Nas primeiras páginas o leitor sabe apenas que terá tido a ver – ou não – com o dinheiro a que Karim destinava o aluguer dos quartos, e que resultou em algo que “tanto entusiasmou a comunicação social e os políticos dinamarqueses durante algumas semanas.”
Apesar da sua história familiar devota, o narrador é um muçulmano que come fiambre, bebe vinho e que, ironicamente, diz saber tudo sobre política – pelo menos como esta tem sido vendida pelo olhar muçulmano: “o Corão é a palavra final de Deus autografada por ele; o Ocidente está a lixar-nos; os judeus estão a lixar-nos através do Ocidente.”
Quanto a Ravi, um tipo que põe música demasiado alto, anda de roupa interior pela casa, não limpa as janelas e usa demasiado alho e frituras, torna-se um discípulo de Karim, passando a ir a algumas das suas reuniões. É uma personagem fascinante, com uma memória prodigiosa e a máxima de que só se devem namorar raparigas feias: “As raparigas feias são o sal da terra.: elas fazem-te coisas. As raparigas bonitas estão à espera que tu lhes faças coisas.” Mas há ainda sub-categorias dentro destas, como as platónicas, as gandianas e as marxistas: “As platónicas eram para contemplar e esquecer, as gandianas eram aquelas com quem ele se embaraçava, para abraçar e para lhes dar uns apertões, mas nada mais; as marxistas eram, como ele colocava a questão, para foder e ser fodido.” isso porque “a história é apenas o progresso das classes que se fodem uma às outras.”
O livro começa e é todo ele atravessado por constantes reparos ao acto da escrita, e a referência a uma ex-namorada licenciada em Belas Artes: “A minha namorada de outros tempos, especializada em escrita, provavelmente teria objecções quanto a acabar um relato factual com algo tão irreal como um sonho.”
Longe de pretender dar umas dicas sobre a melhor forma de combater o terrorismo islâmico ou de apresentar sugestões para posições sexuais alternativas ao Kamasutra, este livro de Khair olha antes para uma Dinamarca multicultural, onde umas mentes brilhantes, saídas da pós-colonização, procuram acender-se num país onde a luz é demasiado escassa – ao contrário dos preconceitos. O seu triunfo acaba por estar em Ravi, personagem exemplarmente caracterizada pelo narrador, algo que traz ecos do Gatsby de Fitzgerald.
Divertido, triste e muito satírico, “Como combater o terrorismo islâmico na posição de missionário” é, acima de tudo, um livro sobre a Humanidade e o olhar sobre os outros: como os ocidentais julgam os muçulmanos mas, também, como os muçulmanos julgam os outros, algo que pode ter tanto de complexo como de acusatório. Uma novela curta escrita com muita verve.
Nota final para a tradução/revisão, que apresenta demasiados erros e retira o ritmo e a beleza da leitura. Impunha-se o lançamento de uma segunda edição revista que fizesse jus à prosa de Tabish Khair.
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