“Cigarra trabalha em edifício alto. Operadora registo de dados. Dezassete anos. Sem falta. Sem erro. Tac tac tac!”. É neste estilo telegráfico, de quem vai martelando num teclado blindado mais preocupado com os factos do que com a linguagem, que Shaun Tan começa “Cigarra” (Orfeu Negro, 2024), um livro que serve aos mais novos um Bartleby ilustrado da condição humana.
Uma cigarra trabalha num edifício alto, num escritório cinzento, onde regista dados sem alma há dezassete anos. Não falta e não cometa erros, fazendo do tac-tac o som da sua vida, que provavelmente a acompanha ainda depois de picar o ponto rumando a casa.
Os colegas tratam-na mal e, num português entrecortado, animalesco e telegráfico, os Recursos Humanos despacham-na sem grandes contemplações: “Recursos humanos diz cigarra não humana”. Sem trabalho, casa ou dinheiro, resta à cigarra subir até ao telhado, contemplando o horizonte antes do derradeiro salto.
Esta não é, porém, uma história sem esperança. Naquele mergulho espreita uma luz ao fundo do túnel, uma explosão de cor servida sob a forma de enigma, a que se junta um comentário irónico à estúpida condição humana. Uma espécie de iniciação ao anti-capitalismo para os mais jovens, que incita a uma revolução que leve a uma possível e transformadora felicidade. Tudo num cinzento com laivos de verde, onde o laranja surge como a cor da esperança.
Shaun Tan é um dos mais importantes autores de álbuns ilustrados do nosso tempo. Na sua arte, explora pintura, escultura, fotografia e animação. Recebeu o Prémio ALMA (Astrid Lindgren Memorial Award), o maior reconhecimento de literatura infantil do mundo, em 2011, e o seu livro “Tales from the Inner City” foi distinguido com a medalha Kate Greenaway (2020). Realizou uma curta-metragem de animação baseada no seu livro “A Coisa Perdida” (edição Kalandraka), que foi premiada com o Óscar dessa categoria. Nasceu na Austrália, onde vive.
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