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“Cai a Noite em Caracas” | Karina Sainz Borgo

Por Ana Ilhéu · Em 28/08/2019

“Tiraram-me tudo, até o direito de gritar.”

A narrativa surge brusca, intimista e impactante. A morte como começo de uma vida que termina quando a narradora, Adelaida Falcón, uma revisora de textos, venezuelana, agora órfã, enterra a mãe como se sepultasse a sua própria identidade e esperança. Ciente de ser uma filha sem filhos, num país sem rei nem roque, prenho de violência, carência e desespero, Adelaida desfia memórias, com relatos dramáticos.

“Tal como o pão, o Alprazolam escasseava, e o desânimo abria caminho com a mesma força do desespero de quem via desaparecer tudo aquilo de que precisava: as pessoas, os lugares, os amigos, as lembranças, a comida, a calma, a paz, a sensatez.”

Karina Sainz Borgo, uma venezuelana de 32 anos, jornalista especialista em temas culturais, apresenta com este seu primeiro romance, “Cai a Noite em Caracas” (Allfaguara, 2019), uma história de ficção inspirada em factos reais, um retrato da vida em Caracas, uma cidade, um país e um povo defraudado pela realidade, regressado ao tempo da recolecção e à luta pela sobrevivência.

“Cai a Noite em Caracas, Alfaguara, Deus Me Livro, Karina Sainz BorgoEra assim que toda a gente vivia naquela altura: o olhar para o que ia no saco de compras alheio e a farejar se o vizinho levava algo que escasseasse, para procurar onde consegui-lo.”

A insegurança era transversal à vida e à morte, ambas devassas e pungentes de uma sociedade que surge despida de limites e de dignidade. Corrupção, violência, extorsão, ameaça, numa palavra, desumanização de um povo fraccionado pelo poder de mandar, de matar ou de possuir. O medo da própria autoridade, das figuras formais que a representam e dos grupos que se formaram em nome de uma ordem de ténues fronteiras com o caos, o poder déspota e discricionário de quem tem a posse de algo, especialmente material. Ainda assim, o retrato de uma sociedade que está ciente de que o pior é sempre possível: ter menos, ter que partir ou ter que ficar, obrigada à imobilidade, à suspeição e a um quotidiano alimentado pelo ressentimento e pelo medo. A revelação de um país governado por um regime militarista, aliado de forças rebeldes, nacionais e internacionais, garantindo-lhes impunidade a troco de lealdade e cooperação armada.

Ao longo de 200 páginas, Adelaida Falcón, narradora e protagonista, partilha com o leitor a contemporaneidade e o passado recente de um país “bonito nas suas psicopatias, generoso em beleza e violência, uma nação construída sobre a fenda das suas próprias contradições, a falha tectónica de uma paisagem sempre prestes a desmoronar em cima dos seus habitantes“.

Compilação de diversos registos de luta e sobrevivência, “Cai a Noite em Caracas” acaba por ser o retrato de uma mulher e a revivescência de um país, ambos divididos – no caso de Adelaida Falcón, por uma oportunidade e um oceano que lhe deram a possibilidade da sobrevivência, ainda que com uma nova identidade.

“Naquele dia pari-me. Dei-me à luz, cerrando os dentes e sem olhar para trás. A minha mala era o último esforço. Agarrei nela pelas asas e avancei para a saída.”

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Ana Ilhéu

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