A fazer fé na sabedoria popular e na psicologia apontada ao órgão mais pulsante do corpo humano, casal que não discute, pelo menos, mês sim, mês não, não deve andar grande coisa em termos anímicos.
Seleccionado para o White Ravens 2003, e tendo levado para casa o Prémio Most Beautiful Books of Austria 2002, “Burros” (Orfeu Negro, 2019) vai de encontro a essa máxima de guerrilha amorosa, mostrando-nos uma relação onde há espaço para o amor, a zurraria e, claro, a boa da reconciliação.
Dois burros velhos planeiam as suas bodas de prata o que, nos dias de hoje e mesmo para os padrões da animália, é algo que merece pelo menos um fogo-de-artifício. Os leitores são convidados a conhecer as muitas burrices que estes dois viveram juntos, isto até à noite em que a burra, sabendo da propensão do burro para o esquecimento, lhe faz uma dobra na orelha direita para que a festa não fique esquecida no dia seguinte.
O que, vai-se a ver, acaba por não resultar como esperado, já que o burro era surdo desse lado e, ficando com a orelha tapada, acaba por tomar o gosto ao sono, não acordando por nada. Segue-se uma zurraria capaz de acordar um zoológico inteiro, uma daquelas a cheirar a separação, com insultos tão incríveis como “mais espertos do que tu, então, há-os por aí aos coices“. Nesse dia, cada burro decide trotar só por si, tratando de encontrar um outro parceiro de zurraria que lhe faça soltar um “Hii-Hoon” de pura felicidade.
Com muito humor e ilustrações bem divertidas, esta dupla mostra-nos que o amor é, de todas elas, a mais bela burrice, e que romance sem zurraria não passa de uma manhosa trama de Hollywood.
Adelheid Dahimène, escritora austríaca, publicou já vários livros para crianças, jovens e adultos. Foi galardoada em 2008 com o Prémio Nacional Austríaco de Literatura para Crianças.
Heide Stöllinger é ilustradora e trabalha actualmente como artista em Linz. Recebeu vários prémios de ilustração.
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