Na introdução a “Bowie: Uma Biografia” (Suma de Letras, 2019), livro ilustrado sobre um dos grandes mestres do artifício e do disfarce que já passaram por este planeta, María Hesse diz tratar-se de “uma recriação da biografia de alguém que não gostava de falar de si e que, quando o fazia, costumava mistificar o que contava”.
Nesta biografia, desenhada com muito esmero e uma tremenda capacidade inventiva por Fran Ruiz, misturam-se passagens da vida real de Bowie com elementos fantásticos, pelo que a biografia, mais do que uma viagem sem sobressaltos pela linha temporal e dos factos, é assumida pelos autores como uma obra de ficção.
Logo a abrir deparamo-nos com uma cronologia desenhada, bem como uma árvore genealógica reduzida, que nos ajuda a situar a envolvência parental de David Robert Jones e os seus anos de criança, onde desde muito cedo percebeu que não queria jurar fidelidade a qualquer estilo.
Ao longo de cerca de 170 páginas, embrulhadas numa lindíssima edição em capa dura, conhecemos algumas das personagens e acontecimentos marcantes da vida de Bowie: a importância do agente Tony Defries, que o levou para Nova Iorque, o apresentou à Factory e a Andy Warhol – que só reparou nos seus sapatos – e acabou por lixá-lo fazendo-o assinar um contrato manhoso; o nascimento de Ziggy Stardust, esse ser “belo, bissexual e alienígena”; a fuga para Berlim com um tal de Jim Osterberg, mais conhecido por Iggy Pop, cidade onde por entre muita toxicidade assinou algumas das suas mais incríveis rodelas; a capacidade de se rodear sempre de bons músicos e produtores, fossem eles Tony Visconti na América ou, em Berlim, de Brian Eno, que produziu “Low”, “The Idiot”, “Lust For Life” e “Heroes”; a relação com Angie, que começou aberta e terminou mergulhada em veneno; o falso assumir da homossexualidade, de forma a ter um tempo de antena que, de outra forma, seria difícil na imprensa inglesa – pelo menos por essa altura; o magnetismo que exercia nos outros músicos, e que o levou a “roubar” guitarristas a Zappa ou a Lou Reed; o fim do contrato com a RCA e a entrada na EMI, onde recebeu 17 milhões de dólares de adiantamento; a ligação umbilical ao teatro, ao cinema e à pintura; a nova vida com Iman Mohamed Abdulmajid, com quem encontrou a felicidade e o equilíbrio emocional; ou a recuperação da sua discografia perdida, conseguida por 20 milhões (tendo ganho 50 milhões por ceder os direitos musicais durante dez anos).
O livro fecha em grande com uma discografia desenhada que, num parágrafo, apresenta cada um dos discos de Bowie, numa viagem que se estende de “David Bowie/Space Oddity” (1969) a “Blackstar” (2016). E que viagem foi esta.
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