“É como Seven…mas mais engraçado”. As palavras são de Daniel Cole, e podem ser encontradas numa carta dirigida a leitores e livreiros, onde explica a sua relação com a escrita, que terá começado quando viu um episódio de “24” em que, “para surpresa de absolutamente ninguém no planeta”, Jack Bauer regressava depois de no episódio anterior o seu coração ter parado, tendo o genérico final sido precedido do “som monótono do equipamento de monitorização”.
Na mesma carta, Cole fala dos anos que levou a aperfeiçoar a sua escrita, bem como das cartas de rejeição que foi recebendo e coleccionando ao longo dos anos, até estar perto de desistir. Até que foi à gaveta buscar um dos argumentos para televisão que tinha escrito e que havia sido recusado, decidindo então transformá-lo em livro. Livro esse que foi já publicado em 32 países, tendo sido finalista do prémio CWA John Creasy Award para primeiro romance, o prémio britânico mais prestigiado para thrillers.
E “Boneca de Trapos” (Suma de Letras, 2018) é, decididamente, atravessado por alguns ecos de “Seven”, o filme realizado por David Fincher, tanto nas múltiplas referências à cultura pop como, também, por levantar e desafiar questões como a justiça, a moral ou a ética, plantando-se na ténue fronteira entre o certo e o errado, o bem e o mal.
William Fawkes é um controverso detective, que ficou na memória de colegas, juízes e jurados e do público em geral por, durante um julgamento, ter atacado um suspeito, não o matando por um triz. Anos depois, “Wolf” – nome por que é conhecido pelos pares – é reintegrado no seu posto, ainda que sob avaliação psiquiátrica e com muito poucos amigos à sua volta. Um desses poucos espécimes dá pelo nome de Emily Baxter, inspectora e antiga colega e amiga de Wolf, que o descreve certeiramente como “a mesma bomba relógio transpirando eficiência; implacável e auto-destrutivo”.
A grande oportunidade de redenção surge quando é encontrado um corpo, estranhamento formado por membros de seis vítimas diferentes, suturados de forma a criar uma marioneta que rapidamente os jornais descrevem como boneca de trapos. Fawkes é então incumbido de identificar as seis vítimas, mas a trama adensa-se quando a ex-mulher de Fawkes, uma repórter de um canal de televisão com tantos escrúpulos com a CMTV, recebe uma carta anónima com fotografias do local do crime, acompanhada de uma lista na qual constam os nomes de seis pessoas e as datas em que o assassino tenciona assassiná-las. E, por esta altura já devem ter adivinhado, o último nome da lista é o de Fawkes.
Nesta travessia pelo abismo, Fawkes terá também de contar com alguma oposição interna, encabeçada pelo jovem e meteórico detective Edmunds, que acredita que Fawkes é um lobo com pele de cordeiro, que poderá estar envolvido nesta teia de assassinatos.
Sempre em crescendo e com constantes referências ao Fausto de Goethe, bem como recorrendo a sucessivos flashbacks que vão ajudando a colar as peças de um intrincado puzzle, “Boneca de Trapos” é um thriller intenso que tem drama para dar e vender, e que serve de bandeja – e com muita vertigem – uma moral que o cinema e a literatura policial nos andam a vender há décadas: “Não há pessoas “boas”. Há só aquelas que ainda não foram suficientemente pressionadas e aquelas que foram”.
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