Em 2012, os amantes nacionais de fantasia depararam-se com um livro cativante e pouco comum, tanto em termos de história como da própria edição. O empolgamento começava com um simples folhear: a capa num preto-e-branco fantasmagórico, o cheiro do papel que recordava a infância, os pormenores artísticos inscritos nos rodapés – a fazer lembrar a mais bela edição portuguesa de “A História Interminável” -, os separadores entre capítulos que, além de belos, permitiam recuperar o fôlego antes do virar de página e, sobretudo, aquelas fotografias antigas que, naquelas folhas, ganhavam o ar de um tesouro que não queríamos partilhar como ninguém. Fotografias que Ransom Riggs, o autor, foi coleccionando entre feiras e lojas de antiguidades – outras delas pedidas a amigos -, servindo de ponto de partida para a construção da história.
O livro dava pelo nome de “O Lar da Senhora Peregrine para Crianças Peculiares” e tinha como protagonista Jacob, um jovem de dezasseis anos que, depois de uma tragédia familiar, havia decidio embarcar numa viagem até Cairnhom, uma remota ilha na costa do País de Gales, para descobrir as ruínas do lar para crianças peculiares criado pela senhora Peregrine. Uma missão que partiu do desejo moribundo do avô, que lhe descreveu crianças que poderiam ter estudado na Academia dos X-Men: uma cospe fogo, outra levita e um outro tem abelhas a viver na sua barriga.
Estávamos perante um cruzamento feliz entre “A Ilha do Tesouro” e “O Senhor das Moscas” que, infelizmente, não tinha encontrado um seguimento à altura em “Cidade Sem Alma”, fazendo crer que a trilogia estaria condenada ao esquecimento mesmo antes de o terceiro livro ser escrito. Puro engano. “Biblioteca de Almas” (Bertrand, 2017) apresenta um desfecho à altura do que foi iniciado no primeiro livro, indicando mesmo – e finalmente – uma explicação lógica, curta e certeira sobre o hiato temporal a que os peculiares se podem sujeitar longe dos vórtices: 2 a 3 dias. Este é o limite para evitar que sofram um crescimento acelerado, uma vez que cada vórtice funciona como um congelador do tempo.
Neste livro final, Jacob Portman viaja acompanhado de Ema Bloom, a rapariga que consegue produzir fogo com as mãos, e Addison MacHenry, um cão capaz de localizar qualquer peculiar, de encontro à lenda do vórtice perdido, situado em Abaton, lugar que esconderia a biblioteca de almas dos peculiares mais antigos e poderosos. Para isso terão de viajar “através da própria morte até ao fosso do inferno“, à boleia de um barco conduzido por Caronte, uma espécie de Barca do Inferno lá do sítio. Riggs fecha de forma de forma triunfal a trilogia, construindo uma ponte segura entre o reino peculiar e o dos comuns mortais. Bizarro, romântico e muito cativante.
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