É uma daquelas arcas sem fundo como encontramos, em território luso, no legado de Fernando Pessoa – há sempre lugar para a descoberta. Após a morte do pai, que ficou na história da literatura como o inventor do género fantástico e o criador da mais incrível saga do género, Christopher Tolkien ficou com a árdua tarefa de gerir a obra do seu pai, J.R.R. Tolkien.
Nas primeiras páginas de “Beren e Lúthien” (Planeta, 2018) – numa edição de capa dura com belíssimas ilustrações de Alan Lee -, Christopher fala da missão a que se entregou e que o tem acompanhado durante toda uma vida: “O caos e a dificuldade intrínseca inerentes a muitos destes manuscritos (as várias camadas de revisão presentes numa mesma página, as pistas fundamentais encontradas em fragmentos dispersos pelos quatro cantos do arquivo, os textos escritos no verso de obras de que não fazem parte, a desordem e a dispersão dos manuscritos, a quase total ilegibilidade de certas passagens) desafiam toda a hipérbole“.
Ainda no lançamento de “Beren e Lúthien”, Christopher questiona a própria ideia de publicar este livro, uma vez que “não oferece uma única página de conteúdo original ou que não fosse já publicado“. Uma decisão explicada logo de seguida, e que foi ao encontro de revelar “as etapas sucessivas de uma narrativa“, bem como de justificar a sua própria interpretação dos materiais que foi encontrando entre os achados literários do pai. Numa carta de 1951, o próprio Tolkien falou deste conto como “a história principal do Silmarillion“, tratando de a dispersar por vários anos e livros.
Resumidamente e com spoilers, é esta a história de “Beren e Lúthien” nas próprias palavras de Tolkien pai: “Beren é “o mortal proscrito que consegue vencer (com a ajuda de Lúthien, uma simples donzela, apesar de pertencer à nobreza élfica) naquilo que todos os exércitos e guerreiros fracassaram: penetra na fortaleza do Inimigo e arranca uma das Silmarilli da Coroa de Ferro. É assim que conquista a mão de Lúthien e que o primeiro casamento de um mortal com uma imortal é consumado“. Uma história que, de acordo com Christopher, acompanhou sempre o seu pai, muito tempo antes de a ter decidido escrever, como se fosse a sua pedra de toque.
Para os fãs portugueses de Tolkien, resta agradecer à Planeta por continuar a editar a obra deste mestre – ainda recentemente chegou às livrarias “A Queda de Gondolin” -, incitando-a a que possa chegar ainda mais longe: fica o pedido para que se aventure na edição em português de “The History of Middle-earth” – no original -, uma série de doze volumes compilados e editados por Christopher Tolkien, publicados a título póstumo entre 1983 e 1996. Isso seria festim para vazar, pelo menos, um barril de hidromel.
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