William Lindsay Gresham (1909-1962) levou uma vida conturbada, transitando de um ideal para outro – do marxismo à psicanálise, do cristianismo ao budismo -, enquanto se debatia com um alcoolismo persistente e outros problemas de saúde. Dos becos sem saída que encontrou emergiram alguns livros, incluindo “Beco das Almas Perdidas” (Dom Quixote, 2022), publicado originalmente em 1946 e que lhe trouxe fama e uma fortuna que depressa perdeu. Dedicou-o à poetisa Joy Davidman, na altura sua esposa, que o abandonou poucos anos depois. Cada vez mais debilitado, Gresham suicidou-se, mas os demónios que o atormentavam ainda vivem, de certa forma, no protagonista desta sua obra.
Trata-se da história da ascensão e queda de um burlão, Stanton Carlisle, que se esforça por conquistar o lugar que julga merecer, num mundo sombrio e cruel. Conhecemo-lo ainda jovem, a trabalhar como auxiliar numa feira ambulante, e vamos descobrindo que há um trauma de infância no seu passado, que o impeliu a fugir de casa. Entre a recriação cativante do estilo de vida dos profissionais destas feiras, vemos como se torna num ilusionista talentoso, evoluindo depois para números de mentalismo, graças à ajuda de uma suposta vidente, uma mulher mais velha que se torna uma espécie de mentora, além de amante. Stan adora receber a admiração dos espectadores mas despreza-os, por considerá-los uns papalvos de quem é fácil obter dinheiro. Por ambição, troca a feira por números de vaudeville em salas de espectáculos, levando consigo, como esposa e colaboradora, uma beldade jovem e dócil, que nunca recuperou da morte do pai e deseja acima de tudo alguém que a mantenha segura. O sucesso franqueia-lhe as portas das casas da alta sociedade, mas esta destrói-lhe as esperanças de integração quando deixa claro que o tolera como um entretenimento, mas nunca o aceitará como um igual.
Prevendo a morte do vaudeville, Stan vira-se para o espiritismo. Percebemos que, para ele, extorquir dinheiro aos crédulos não é apenas uma forma de ganhar a vida, mas também de se vingar do resto do mundo. A relação que inicia com uma psicóloga proporciona uma via para descobrir informações sobre os ricos e poderosos que pretende explorar. Porém, esta é uma vigarista à sua altura – decerto não é por acaso que se chama Lilith, como a maléfica primeira mulher de Adão na mitologia judaica. Em nome do sonho do grande golpe que transformaria o resto dos seus dias em Natal, Stan ignora os maus presságios e deixa-se enredar numa maquinação, que o leva a questionar a fronteira entre realidade e ilusão. Ironicamente, o vigarista talentoso que acredita que “a única coisa com que podemos contar é o nosso cérebro”, é traído por esse órgão.
O protagonista é uma figura complexa e realista nas suas contradições. O cinismo em relação à condição humana, bem como às esperanças dos outros, não o impede de lutar por um futuro melhor para si próprio, nem de viver atormentado por pesadelos em que corre “por um beco escuro, com prédios vazios e negros e ameaçadores de ambos os lados”, na direcção de uma luz que nunca alcança, enquanto é perseguido por algo que se aproxima cada vez mais.
Existe no livro um subtexto de crítica social que permite entrever a temática da luta de classes, mas o que encontramos aqui, acima de tudo, é um retrato trágico dos becos sem saída onde o passado pode encurralar uma pessoa. Algumas parecem ser capazes de encontrar uma luz ao fundo do túnel. Porém, para outras, o pesadelo concretiza-se.
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