Foi há trinta anos que um exemplar de “Baleia” (Antígona, 2017), assinado por Paul Gadenne, chegou às mãos de José Alfaro, que por essa altura acabara de criar uma pequena editora. A publicação acabou por ser adiada durante três décadas, tendo chegado às livrarias o ano passado com o selo da Antígona, com tradução do próprio José Alfaro, acrescida de uma biografia/cronologia – que mostra esta história como tendo nascido da carne de Gadenne – e de um documento da autoria de Francine Lenne, intitulado “Notas Sobre Uma Excursão à Beira-Mar”, onde se faz uma análise compreensiva – por vezes ao estilo de um diário – e dividida por temas do livro. Publicado originalmente por Albert Camus na revista Empédocle, em 1949, a sua publicação em Portugal quase 70 anos depois deve ser encarada como um acontecimento literário.
Trata-se de um texto curto, cerca de 40 páginas, onde se pressente a sombra do “Moby Dick” de Melville, mas onde a baleia surge derrotada, numa decomposição diária que faz pairar a ideia da morte e do fim do mundo: “Não precisaríamos de um esforço para o gravar em nós. Ele já aí estava inscrito desde sempre, era o nosso mais antigo pensamento“.
“Baleia” é quase um livro-poema, uma metáfora sobre a morte mas, também, sobre a própria escrita, sobre “o que não tem nome em nenhuma língua“. Um livro que convida à descoberta do outro, da individualidade e do pensamento, operando um jogo de duplos sentidos que continua a ecoar muito tempo depois de virada a última página.
A partir do momento em que decidem ir contemplar o animal que deu à costa, os dois jovens acabam por contemplar-se a si mesmos e à inevitabilidade do destino, vivendo a epifania da individualidade e a descoberta dos gestos decisivos que podem mudar o mundo: “A verdadeira fé deve assemelhar-se aos átomos: basta que um rebente…“. Um texto belíssimo.
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