• Mil Folhas
  • Música Com Cabeça
  • Cine ou Sopas
deusmelivro
Bábi Iar, Anatóli Kuznetsov, Deus Me Livro, Crítica, Livros do Brasil
Mil Folhas 0

“Bábi Iar” | Anatóli Kuznetsov

Por Ana Ilhéu · Em 22/02/2023

“Se no século XX da nossa era são possíveis epidemias de ignorância e crueldade à escala mundial, se escravatura, genocídio e terror de massas são possíveis; se o mundo consagra mais esforços à criação de instrumentos de morte do que à educação e à saúde, podemos sinceramente perguntar de que espécie de progresso falamos.”

“Bábi Iar” (Livros do Brasil, 2022), de Anatóli Kuznetsov, é tudo aquilo que não se deseja ver relatado: comportamentos de nacionalismo divisionista, invasões, fome e genocídio. É um livro sobre a Ucrânia, na transição do poder bolchevique para a ocupação nazi (1941-1943), mas acima de tudo um livro sobre a natureza humana, de leitura obrigatória para que a memória do passado não deixe de estar presente no futuro que se constrói hoje.

O autor, Anatóli Kuznetsov, nasceu em Kiev, na Ucrânia, a 18 de agosto de 1929, filho de pai russo e mãe ucraniana. Aos catorze anos, começou a registar os acontecimentos que testemunhou sobre o massacre de Bábi Iar, perpetrado pelos nazis durante a Segunda Guerra Mundial. A primeira edição do seu livro ocorreu em 1966, numa versão censurada pelas autoridades russas. O texto integral seria publicado em 1970, sob o pseudónimo A. Anatoli, já após a fuga do autor para Londres, onde trabalhou como repórter para a Radio Liberty. Faleceu na capital britânica em 1979.

Entre os 12 e os 14 anos, Anatóli Kuznetsov vivia com a família em Kiev, e juntou notas sobre o que aconteceu em Bábi Iar, local onde brincara anteriormente. Quando pretendeu publicá-las sob o domínio da União Soviética, viu-se obrigado a aceitar a censura e a expurgação do texto do que foi considerado de “tralha anti-soviética” – isto é, tudo aquilo que se referia a questões de religiosidade, críticas à coletivização forçada dos campos e a outras manifestações de totalitarismo soviético, que provocaram a morte de milhares de ucranianos. Ao exilar-se no Reino Unido, publicou a versão completa do livro, já com acrescentos das partes censuradas. Esta versão, agora publicada pela editora Livros do Brasil, é a única cuja autoria Anatóli Kuznetsov assumiu. De forma a permitir aos leitores identificar as diferenças entre a versão integral do texto e a sua primeira versão censurada, na presente edição são destacadas a bold as passagens que foram acrescentadas ou significativamente alteradas pelo autor.

O relato baseia-se em documentos e testemunhos de sobreviventes, e do que o próprio autor viu e ouviu, passando em revista os primeiros massacres de judeus, aos quais se sucederam os de não-judeus, o sistema de campos de concentração criado pelos nazis e, na fase final de Bábi Iar, a destruição das provas do crime.

“Será que é verdade que a única coisa que os homens aprenderam a fazer na perfeição ao longo da história é a matarem-se uns aos outros?“

Bábi Iar, Anatóli Kuznetsov, Deus Me Livro, Crítica, Livros do Brasil

Trata-se de um livro-documento de um valor e oportunidade extraordinários, enriquecido, nesta edição portuguesa, pela introdução feita pela historiadora Irene Flunser Pimentel, sob o título “Uma reedição a saudar”, na qual os mais incautos encontram um generoso enquadramento histórico e político do relato que se segue e um ampliado apelo à reflexão individual. Constrangedoramente, ao longo do relato na primeira pessoa, o próprio autor realiza paragens, para lembrar ao leitor que nada do que é dito é ficção, ainda que antecipe a tentação de nos socorremos de mecanismos de despersonalização neste mundo que constrange.

Por último, recomenda-se que a leitura possa ser acompanhada da audição da Sinfonia nº 13 em Si bemol menor de Dmitri Shostakovich, Op. 113 (Babi Yar), composta em 1962 sobre textos do poeta ucraniano Yevgeny Yevtushenko. A leitura do seu poema Babi Yar, um ataque ao anti-semitismo, levou o compositor a escrever um oratório em defesa das minorias dos povos oprimidos, sendo os judeus seu exemplo mais representativo.

“Século após século, as pessoas são mortas e apodrecem na terra, hoje por um motivo e amanhã por outro, e depois constatamos que foi em vão e que deviam ter morrido por outra razão bem diferente…“

Anatóli KuznetsovBábi IarCríticaDeus Me Livro

Ana Ilhéu

Pode Gostar de

  • O Céu da Língua, Gregorio Duvivier, Deus Me Livro, H2N Culture Connectors, Mil Folhas

    Gregorio Duvivier volta a mostrar-nos O Céu da Língua

  • 5L, 5L 2025, Deus Me Livro, Edite Guimarães, Entrevista, Mil Folhas

    Entrevista: Edite Guimarães apresenta-nos o 5L

  • O Som da Mentira, Amy Tintera, Deus Me Livro, Crítica, Singular, Mil Folhas

    “O Som da Mentira” | Amy Tintera

Sem Comentários

Deixe uma opinião Cancelar

Siga-nos aqui

Follow @Deus_Me_Livro
Follow on Instagram

Mil Folhas

  • O Céu da Língua, Gregorio Duvivier, Deus Me Livro, H2N Culture Connectors,

    Gregorio Duvivier volta a mostrar-nos O Céu da Língua

    08/05/2025
  • 5L, 5L 2025, Deus Me Livro, Edite Guimarães, Entrevista,

    Entrevista: Edite Guimarães apresenta-nos o 5L

    08/05/2025
  • O Som da Mentira, Amy Tintera, Deus Me Livro, Crítica, Singular,

    “O Som da Mentira” | Amy Tintera

    07/05/2025
  • Dentro da Tenda, Lucie Lučanská, Deus Me Livro, Crítica, Planeta Tangerina,

    “Dentro da Tenda” | Lucie Lučanská

    07/05/2025
  • Um Lugar Luminoso Para Gente Sombria, Mariana Enriquez, Deus Me Livro, Crítica, Quetzal,

    “Um Lugar Luminoso Para Gente Sombria” | Mariana Enriquez

    30/04/2025
Acha o Deus Me Livro diferente? CLIQUE AQUI.

Archives

  • May 2025
  • April 2025
  • March 2025
  • February 2025
  • January 2025
  • December 2024
  • November 2024
  • October 2024
  • September 2024
  • August 2024
  • July 2024
  • June 2024
  • May 2024
  • April 2024
  • March 2024
  • February 2024
  • January 2024
  • December 2023
  • November 2023
  • October 2023
  • September 2023
  • August 2023
  • July 2023
  • June 2023
  • May 2023
  • April 2023
  • March 2023
  • February 2023
  • January 2023
  • December 2022
  • November 2022
  • October 2022
  • September 2022
  • August 2022
  • July 2022
  • June 2022
  • May 2022
  • April 2022
  • March 2022
  • February 2022
  • January 2022
  • December 2021
  • November 2021
  • October 2021
  • September 2021
  • August 2021
  • July 2021
  • June 2021
  • May 2021
  • April 2021
  • March 2021
  • February 2021
  • January 2021
  • December 2020
  • November 2020
  • October 2020
  • September 2020
  • August 2020
  • July 2020
  • June 2020
  • May 2020
  • April 2020
  • March 2020
  • February 2020
  • January 2020
  • December 2019
  • November 2019
  • October 2019
  • September 2019
  • August 2019
  • July 2019
  • June 2019
  • May 2019
  • April 2019
  • March 2019
  • February 2019
  • January 2019
  • December 2018
  • November 2018
  • October 2018
  • September 2018
  • August 2018
  • July 2018
  • June 2018
  • May 2018
  • April 2018
  • March 2018
  • February 2018
  • January 2018
  • December 2017
  • November 2017
  • October 2017
  • September 2017
  • August 2017
  • July 2017
  • June 2017
  • May 2017
  • April 2017
  • March 2017
  • February 2017
  • January 2017
  • December 2016
  • November 2016
  • October 2016
  • September 2016
  • August 2016
  • July 2016
  • June 2016
  • May 2016
  • April 2016
  • March 2016
  • February 2016
  • January 2016
  • December 2015
  • November 2015
  • October 2015
  • September 2015
  • August 2015
  • July 2015
  • June 2015
  • May 2015
  • April 2015
  • March 2015
  • February 2015
  • January 2015
  • December 2014
  • November 2014
  • October 2014
  • September 2014
  • August 2014
  • July 2014
  • Contacto