Certas frases, de tão comummente repetidas, tornam-se axiomas – postulados considerados óbvios, mesmo na ausência de provas. Mas sê-lo-ão realmente? Em “Axiomático” (Elsinore, 2021), Maria Tumarkin usa cinco deles como pontos de partida para textos desafiadores, onde o ensaio se funde com a reportagem para acompanhar histórias verdadeiras, que por vezes se estendem ao longo de anos.
O primeiro capítulo intitula-se “O tempo cura todas as feridas”, e aborda o tema complexo do suicídio juvenil, sob a perspectiva dos familiares, amigos e professores dos suicidas, numa sociedade que nem sempre sabe lidar com o seu sofrimento.
Em “Aqueles que esquecem o passado estão condenados a re—–” (subentende-se aqui a palavra “repeti-lo”), começamos com uma investigação policial, acolhida pelos media como “uma grande história”: supostamente, uma criança é raptada pela avó, trancada num calabouço secreto e submetida a lavagem cerebral. Ninguém dedica tempo suficiente a escutar a criança, nem a tentar perceber o comportamento da avó, que procura apenas proteger o neto. Acabamos com o retrato de uma barbaridade judiciária e de um monumental falhanço do sistema de proteção de menores.
O terceiro axioma, “A história repete-se”, é semelhante ao segundo, mas o tema é outro: gente presa a ciclos de pobreza, abusos, dependências e doenças mentais, sendo esses problemas apresentados como heranças familiares. O assunto é merecedor de atenção, mas torna-se irritante a insistência na ideia de que “as pessoas nascem sem escolha” e “o destino tem um funcionamento intergeracional”, quando a crença no destino é questionável e a autora até mostra saber que “vidas de privilégio também se desmoronam”.
O título do capítulo seguinte – “Dai-me a criança durante os seus primeiros sete anos e eu dar-vos-ei a mulher” – é a adaptação de uma frase atribuídas aos jesuítas, com inversão do género da criança. Este é o mote para uma reflexão sobre os pesos relativos do inato e do adquirido no desenvolvimento humano, centrando-se a autora nos casos de duas mulheres que conhece: uma foi uma criança refugiada, enquanto a outra teve a infância marcada pelo Holocausto.
O último capítulo, “Nenhum homem pode banhar-se duas vezes na água do mesmo rio”, distingue-se dos anteriores pela estrutura epistolar, usada para abordar a (im)possibilidade do reencontro de duas amigas, anos após a separação provocada pela emigração da família de uma delas. Considerando que Maria Tumarkin nasceu na Ucrânia, no tempo do domínio soviético, tendo emigrado com a família para a Austrália, é razoável acreditar que haverá uma componente autobiográfica neste texto, que hoje é impossível ler sem pensar na situação da Ucrânia.
No seu todo, a obra é original e interessante, mas o terceiro e o quarto capítulos não alcançam o grau de envolvência dos restantes, deixando a obra um pouco aquém das expectativas geradas pelas distinções recebidas: desde a publicação na Austrália, em 2018, ganhou o Melbourne Prize for Literature, no mesmo ano, seguido pelo Windham-Campbell Literature Prize, em 2020, tendo ainda sido finalista do National Book Critics Circle Award de 2019.
Sem Comentários