A premissa desta história, de Yusei Matsui, tem de ser uma das mais perversas dos últimos anos. Tudo começa com a destruição de 70% da lua por parte de um alienígena, o qual, após ter provado o seu poder, ameaça acabar com o planeta Terra no espaço de um ano. Porém, durante esse período deixará que o tentem assassinar se, em troca, o deixarem ensinar uma turma de alunos de liceu, o que acontece com a turma do 9º ano da escola secundária Kunugigaoka, no Japão. É aqui que a depravação começa a ser mais acentuada, já que os alunos desta turma são incentivados a matar esta bizarra criatura, tanto pela própria como pelo governo japonês, que oferece dez mil milhões de ienes àquele que conseguir executar esta missão.
Compreende-se agora a extremidade da ameaça inicial, pois só com a justificação de salvar o mundo o autor sente ter uma desculpa plausível para criar esta situação mirabolante. Ao menos, em relação a esta tarefa não temos de nos preocupar com o bem-estar físico destes jovens – o mental levanta outras questões que não são aqui abordadas -, pois o alienígena, apelidado pelos seus alunos de Korosensei (num trocadilho com a palavra korosenai que significa “aquele que não pode ser morto”), prometeu não magoar nenhum deles, algo que continua a cumprir de forma exímia.
Dentro desta ideia extravagante, “Assassination Classroom” (Devir, 2016) acaba por se revelar uma história genuinamente preocupada em discutir o tema do ensino, ainda que o faça dentro de um registo fantasioso e muito macabro. Podemos não estar perante um livro profundo sobre os métodos educativos, mas também ninguém ficará completamente indiferente à forma como aborda o tema. É que a turma que Korosensei se encontra a ensinar é a turma E, ou seja, a dos excluídos, uma turma usada pelo director desta escola como o mau exemplo, numa suposta estratégia motivacional para os restantes alunos se aplicarem, caso contrário são ameaçados de irem parar à turma que tem aulas numa sala distante de todos os outros e que é constantemente vítima de preconceito, tanto por parte dos alunos como do corpo docente.
Durante estas aventuras, Korosensei tem vindo a provar como este não é o caminho a seguir numa instituição de ensino, onde cada aluno tem diferentes necessidades, as quais, num mundo ideal, seriam trabalhadas de forma distinta para cada um. Infelizmente nem todos os professores se conseguirão mover a uma velocidade mach 20 como esta criatura, ou ensinar turmas com poucos alunos para aumentar o rendimento escolar de todos. Porém, fica bem patente aqui que saber trabalhar a motivação é algo muito importante para fazer a diferença na vida dos alunos. É por isso que, apesar de toda a ameaça inicial, o monstro desta história cedo revela ser o director desta escola, Asano Gakusho, em vez do “temível” alienígena com cara de smiley face. Claro que para isso é preciso ver além da fantasia presente, uma vez que Korosensei motiva os seus alunos a partir das técnicas de assassínio que lhes incute. Uma estratégia que, por funcionar tão bem aqui, cria a tal relação extremamente perversa entre aluno e professor.
No campo do terror, o Japão é prolífico em criar ideias tão diabólicas como esta, mesmo dentro do ensino – já “Battle Royale”, de Koushun Takami e Masayuki Taguchi (adaptação da novela de Takami), nos trazia um dos métodos mais desumanos sobre como melhorar o funcionamento das escolas japonesas. No caso da história de Matsui, existe uma preocupação em mostrar a possibilidade de pegar numa das piores turmas do japão e convertê-la numa das melhores. E, se é verdade que nem todos os alunos são iguais, o mesmo se aplica aos docentes e às escolas.
Neste terceiro volume, as tentativas de assassínio, como seria de esperar, continuam a escalar. A fé do governo na possibilidade destes alunos virem a matar o seu professor sempre balançou entre a escassa e inexistente, por isso é tempo de meterem mãos à obra. Depois dos agentes Karasuma Tadaomi e Irina Jelavic terem sido adicionados como professores desta turma a esperança tinha aumentado um pouco mas, no entanto, rapidamente as estratégias destes se provaram ineficazes contra Korosensei. Curiosamente, e em parte graças ao alienígena, os dois agentes tornaram-se professores bem competentes e amados pela turma.
Agora é tempo de o governo voltar a atacar com um novo plano, que conta com a participação de um sniper que acompanha a turma durante a sua primeira visita de estudo do ano: uma viagem a Quioto com Korosensei. Além deste sniper temos também a adição de uma nova aluna à turma, um robô com a capacidade de analisar e melhorar a probabilidade de abater o seu alvo a cada novo ataque. Além de vermos a forma como este professor e respectiva turma continuam a criar laços (mesmo que os alunos o continuem a tentar matar), é sempre engraçado ver como a dinâmica dessa relação se desenvolve quando o autor adiciona novos elementos. É que além deste robô perturbar as aulas – agora tão estimulantes para os alunos –, trata-se também de um novo concorrente, pois caso seja eficaz na sua missão nenhum dos outros alunos vencerá o prémio. Quanto ao próprio Korosensei, continua a ser o brincalhão-mor, usando tanto comédia física como verbal, abusando dos seus poderes e formas para criar situações humorísticas. O seu passado, bem como a razão para ter criado toda esta situação, continuam ainda envoltas num manto de mistério que não promete ser revelado tão cedo.
“Assassination Classroom” continua a avançar de forma entusiasta na sua narrativa, ainda que, chegados a este terceiro volume, nos questionemos até quando Matsui irá prosseguir nesta estrutura, porque, eventualmente, por muitos mais perigos que possa vir a adicionar, a história arrisca-se a cair na monotonia. Começa a sentir-se uma necessidade em abanar o status quo, sair da zona de conforto para a série continuar a crescer. Um dos grandes triunfos na composição desta BD estava na forma como Matsui conseguia alternar entre um ambiente brincalhão e outro de puro terror, nomeadamente quando algum aluno surgia com um novo plano mirabolante de assassinato. Porém, até nestes momentos notamos um decréscimo de força em relação, por exemplo, aos surgidos no primeiro volume. De qualquer das formas e até ao momento, esta continua a ser uma série que nos entretém, sempre com algo importante a lembrar – ainda que o faça no meio de tanta perversidade.
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