“As Sombras Eternas” (Saída de Emergência, 2020) é o segundo volume de A Companhia Negra, a quilométrica série de fantasia escrita pelo americano Glen Cook que dá seguimento à história começada em “A Companhia Negra”, centrada nas crónicas de um lendário batalhão de mercenários, onde observámos a narrativa por uma grande angular: a Companhia é arrastada por vastos territórios ao sabor dos caprichos da Senhora, uma espécie de bruxa má com interesses por toda a parte.
Neste segundo tomo a acção é mais focada. No centro está a cidade de Zimbro, um ermo gelado e triste nos confins do Norte. É para lá que a Senhora envia um destacamento da Companhia Negra, para investigar o crescimento de um misterioso castelo negro, que se crê estar ligado ao seu maior inimigo, o ex-marido traído – o Dominador.
A cidade é um dos personagens do livro. É um vilarejo perigoso, sem piedade para os mais fracos, onde cada cidadão fará literalmente qualquer coisa para sobreviver (ou partir para bem longe). Talvez por isso, os habitantes de Zimbro não se incomodem com o crescimento do castelo negro e das suas criaturas tenebrosas.
O Físico, o nosso narrador no primeiro livro, partilha desta vez o protagonismo com o anti-herói Marrom Cabana, dono do Lírio de Ferro, uma taberna encardida cheia de gente pouco recomendável. Cabana é um cobarde em apuros, acossado por agiota, e prestes a perder a taberna quando se envolve com o Corvo, o desertor que abandonou a Companhia Negra no primeiro livro. Amorosa, a protegida do Corvo e uma peça importante da história, trabalha no Lírio a servir canecas lascadas de cerveja morna.
O livro segue a espiral descendente de Cabana, mergulhando nos cantos mais obscuros da mente humana. Há assassínio, venda de cadáveres, traição, vingança e personagens que, no fundo – bem no fundo -, nem são más pessoas, levadas pelas circunstâncias a actos terríveis. É com o percurso do taberneiro, de desgraça em desgraça até à redenção final, que o livro nos agarra pelos colarinhos.
Em paralelo, a própria Companhia Negra corre perigo – a lealdade dos mercenários para com a Senhora está por um fio. Há segredos que podem virar a poderosa feiticeira contra a Companhia, e essa seria uma fúria difícil de enfrentar.
Falando sobre a escrita de Glen Cook, o autor Steven Erikson descreve-a nestes termos: “Cook trouxe a história ao nível do humano, dispensando os arquétipos e clichés de príncipes, rainhas e feiticeiros. Ler os seus livros é como ler sobre a Guerra do Vietname sob o efeito de alucinogénios”. Na verdade, os arquétipos da fantasia estão de algum modo presentes, mas recebem uma camada de negrume, cinismo e crueza que os distinguem da fantasia mais fofinha. Depois de um primeiro volume algo confuso, a história ganha aqui um novo alento.
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