Desde a filosofia pré-socrática que o Homem tem a curiosidade de compreender o mundo que o rodeia. Abandonando as explicações mitológicas e as crenças religiosas, procurou um elemento, um princípio único, a partir do qual se explicaria a origem de todas as coisas – arqué (em grego antigo ἀρχή). Era na Natureza que muitos encontravam a arqué, tal como a água, o ar, a terra ou o fogo. Para os Pitagóricos, a concepção é a de que todas as coisas são números. É nisso que consiste a arqué, onde reside a origem da harmonia, da proporção e da medida de todas as coisas.
Muito tempo passou desde a antiguidade grega, mas a curiosidade humana continua bem aguçada. Saber mais sobre as origens é “apurar um sentido para a compreensão da necessidade de passagem do tempo na formação dos processos da civilização, mas também perceber que a aceleração que alguns começos civilizacionais sofreram, através do aparecimento da agricultura, da cidade, do estado“. Saber mais sobre as origens é aprender mais sobre nós, sobre a Humanidade.
”Quando começámos a caminhar erectos? Porque temos de cozinhar? Qual a origem da fala, da escrita e da narrativa? Qual a origem da arte, como a música e dança? Quando é que começámos a enterrar os nossos mortos? Qual a origem do número? Porque usamos moedas? Como nascem as primeiras cidades? Porque é que a maioria das sociedades valoriza a monogamia?” – Estas e muitas outras questões são esclarecidas Jürgen Kaube, um dos especialistas mais reconhecidos na área da divulgação científica, no livro “As Origens de Tudo” (Desassossego, 2019). Trata-se do primeiro livro da colecção Eu amo Ciência, a publicar pela Desassossego, a chancela de não ficção da editora Saída de Emergência.
Numa abordagem científica, onde a filosofia e a história também marcam presença, o autor pretende explicar a origem de vários processos culturais, religiosos, políticos ou de alguns rituais ou acções que nos tornam únicos e verdadeiramente humanos. Ao longo dos dezasseis capítulos de “As Origens de Tudo” não encontramos respostas exactas e claras para todas as questões, nem esse é o objectivo, mas somos confrontados com um amplo conjunto de teorias e reflexões que nos aproximam de respostas esclarecedoras e que induzem à reflexão.
No capítulo dedicado às origens da música e da dança, é reforçada a ideia de que não conseguimos saber com precisão a data do instrumento mais antigo, pois “os primeiros instrumentos em madeira ou de outro material vegetal como por exemplo, tambores, não subsistiram até aos nossos dias. Também não é certo se as conchas e as carapaças de tartarugas encontradas em sepulcros foram instrumentos musicais”, mas somos forçados a questionarmo-nos sobre o papel da música nas nossas vidas, sobre o que é a música – será “o que soa antes e depois do silêncio?”.
“Como chegamos ao A e ao O, ao alfa e ao ómega, do A ao Z?”. Todos sabemos que a escrita desempenhou – e desempenha – um papel fulcral na História da Humanidade. A escrita assegura a preservação, comprova a nossa História, a forma como nos construímos como humanos. Para além de todas as preciosas informações históricas sobre a escrita, o essencial é exercitar o pensamento sobre questões relacionadas com a arte de escrever como a origem da fala, a relevância da comunicação, o fascínio da linguagem e o deslumbramento da narrativa. Qual o valor de uma história bem contada? Qual a importância das epopeias? “Se pusermos lado a lado as primeiras grandes epopeias, como a de Gilgamesh, a Mahabharata indiana, a Ilíada e a Odisseia gregas, obtemos um padrão não intencional”. As epopeias são histórias sobre heróis, mas são também exemplos de percursos existenciais, da imortalidade e da relação dos Homens com os Deuses, obrigando-nos a (re)pensar a natureza humana, por isso “uma epopeia não envelhece , porque nunca pertenceu ao presente”.
Não podemos falar de humanidade sem falar de amor. “O que é o amor, sem o qual, em princípio, não se justifica um casamento. Esta pergunta surge na famosa carruagem de comboio onde Tolstói, em 1889, faz decorrer a acção da sua novela, A Sonata de Kreutzer” – é assim que se dá início ao capítulo dedicado às origens da monogamia. Esclarecimentos biológicos, históricos, religiosos, antropológicos e culturais são dados. Contudo, o importante a reter é que a monogamia só tem significado enquanto o amor e o projecto de vida a dois existir.
Ler “As Origens de Tudo” exige tempo, uma vez que as referências a autores, teorias e livros são inúmeras. Mas haverá melhor livro do que aquele que nos convida implicitamente a descobrir novas leituras ou a reler o livro há muito esquecido na nossa estante?
Jürgen Kaube é um reconhecido escritor na área da Ciência. Iniciou a sua carreira na Universidade de Bielefeld, antes de se juntar à equipa editorial do Frankfurter Allgemeine Zeitung. Em 2012 foi reconhecido publicamente Science Writer of the Year pela medium magazine e, em 2015, tornou-se um dos editores do Frankfurter Allgemeine Zeitung, recebendo o Ludwig Börne Prize.
Sem Comentários