• Mil Folhas
  • Música Com Cabeça
  • Cine ou Sopas
deusmelivro
As Metamorfoses do Elefante, Deus Me Livro, Crítica, José Luís Mendonça, Guerra & Paz
Mil Folhas 0

“As Metamorfoses do Elefante” | José Luís Mendonça

Por Ana Ilhéu · Em 13/07/2022

“As Metamorfoses do Elefante” (Guerra & Paz, 2022), do angolano José Luís Mendonça, é o terceiro livro da nova colecção romances de guerra e paz, com o selo da editora Guerra & Paz. Uma narrativa de sonhos e pesadelos, que começa com um surto pandémico de riso em Angola. Com uma forte componente simbólica, o autor mostra como as instituições não estão preparadas para deixarem de ser necessárias. Sendo o riso um símbolo da tolerância, com a qual acabariam os conflitos de toda a espécie, como iriam as grandes potências sustentar todos aqueles que, directa e indirectamente, dependem da indústria de armamento e munições? A solução? Coser a boca dos infectados e criar um gueto onde os reter, evitando a propagação da ameaça, já com visibilidade mundial. Acabaram por ser sete os dias de pandemia do vírus do riso, uma semana sem crimes em que que até a escassez de comida foi gerida sem disputas, pacífica e equitativamente. A linguagem é figurativa mas a critica sente-se acutilante, especialmente dirigida às instituições do poder político e aos impasses contemporâneos do país.

“Se este surto virar pandemia, até os talibãs no Afeganistão, os palestinianos na Faixa de Gaza, os jihadistas do Iémen e da Al-Qaeda, os guerrilheiros do Boko Haram na Nigéria e todos os insurgentes desde o Sri Lanka até aos confins do planeta gargalhariam agarrados uns aos outros, ninguém mais conseguiria apontar a arma.”

As Metamorfoses do Elefante, Deus Me Livro, Crítica, José Luís Mendonça, Guerra & PazEm simultâneo com a insólita pandemia, José Luís Mendonça oferece-nos um prodigioso retrato da história de Angola pós-colonial, feito com base em recursos metafóricos mas profundamente pungente, assumindo-se contrário ao amorfismo social e político. Partindo dos acontecimentos que marcaram o país na década de 70, o autor faz a ponte com a Angola actual, país que parece estar em guerra consigo próprio. Através de personagens que pulverizam a narrativa, é possível tomar contacto com situações de desaparecimento e de tortura, amplamente denunciadas pela Amnistia Internacional, acreditando-se que terão sido milhares entre aqueles que pretenderam ampliar e diversificar o movimento libertador, pós-colonialismo. A violência armada e as prisões arbitrárias, especialmente entre os jovens que expressaram a sua indignação e revolta, a falta de inclusão económica, política e cultural, a persistência de uma classe dominante com forte poder político e económico, estão presentes quando Tony Cainde chora a sua amada desaparecida, retrata a vida à sua volta e mostra como se sobrevive a todo o tipo de ameaças, mesmo as menos evidentes. No cômputo, uma forma de denunciar o drama escatológico de um povo que, depois do sonho da libertação colonial, permanece refém de uma tristeza ditada pelo jogo desigual da sobrevivência.

Ainda em Angola, década de 1970, na antecâmara da independência, o jovem Hermes Sussumuku prevê, em sete sonhos, um futuro de horrores para o país. O seu irmão, empenhado na luta pela libertação do povo angolano e esperançoso num futuro risonho, recusa-se a acreditar nas visões catastrofistas de Hermes. Mas as décadas seguintes vieram a dar razão aos sonhos premonitórios, com uma independência seguida de uma dolorosa guerra civil e sucessivas crises políticas, sociais e económicas.
Sete sonhos, distribuídos por sete capítulos do livro, cada qual precedido de uma proposta de música. Ouvi-las é um inegável upgrade no retrato que José Luís Mendonça traça do país, intensificando o poder onírico da sua narrativa.

Reconhecido com diversos prémios em Angola, nomeadamente pelos seus mais de trinta anos de obra poética, José Luís Mendonça refundou, em 2018, o Movimento dos Novos Intelectuais de Angola, resgatando o legado dos precursores da literatura angolana. Escritor e jornalista, o autor, nascido em 1955, na província do Cuanza Norte, no Golungo Alto, licenciou-se em direito pela Faculdade de Direito, dedica-se hoje ao ensino da língua portuguesa, ao jornalismo e ao activisvismo cultural pelo fomento do livro e da leitura. No último dos sete capítulos de “As Metamorfoses do Elefante”, a referência musical reforça a expressão de um povo que continua a lutar contra a opressão, a fome e a perseguição.

Ana Ilhéu

Pode Gostar de

  • O Céu da Língua, Gregorio Duvivier, Deus Me Livro, H2N Culture Connectors, Mil Folhas

    Gregorio Duvivier volta a mostrar-nos O Céu da Língua

  • 5L, 5L 2025, Deus Me Livro, Edite Guimarães, Entrevista, Mil Folhas

    Entrevista: Edite Guimarães apresenta-nos o 5L

  • O Som da Mentira, Amy Tintera, Deus Me Livro, Crítica, Singular, Mil Folhas

    “O Som da Mentira” | Amy Tintera

Sem Comentários

Deixe uma opinião Cancelar

Siga-nos aqui

Follow @Deus_Me_Livro
Follow on Instagram

Mil Folhas

  • O Céu da Língua, Gregorio Duvivier, Deus Me Livro, H2N Culture Connectors,

    Gregorio Duvivier volta a mostrar-nos O Céu da Língua

    08/05/2025
  • 5L, 5L 2025, Deus Me Livro, Edite Guimarães, Entrevista,

    Entrevista: Edite Guimarães apresenta-nos o 5L

    08/05/2025
  • O Som da Mentira, Amy Tintera, Deus Me Livro, Crítica, Singular,

    “O Som da Mentira” | Amy Tintera

    07/05/2025
  • Dentro da Tenda, Lucie Lučanská, Deus Me Livro, Crítica, Planeta Tangerina,

    “Dentro da Tenda” | Lucie Lučanská

    07/05/2025
  • Um Lugar Luminoso Para Gente Sombria, Mariana Enriquez, Deus Me Livro, Crítica, Quetzal,

    “Um Lugar Luminoso Para Gente Sombria” | Mariana Enriquez

    30/04/2025
Acha o Deus Me Livro diferente? CLIQUE AQUI.

Archives

  • May 2025
  • April 2025
  • March 2025
  • February 2025
  • January 2025
  • December 2024
  • November 2024
  • October 2024
  • September 2024
  • August 2024
  • July 2024
  • June 2024
  • May 2024
  • April 2024
  • March 2024
  • February 2024
  • January 2024
  • December 2023
  • November 2023
  • October 2023
  • September 2023
  • August 2023
  • July 2023
  • June 2023
  • May 2023
  • April 2023
  • March 2023
  • February 2023
  • January 2023
  • December 2022
  • November 2022
  • October 2022
  • September 2022
  • August 2022
  • July 2022
  • June 2022
  • May 2022
  • April 2022
  • March 2022
  • February 2022
  • January 2022
  • December 2021
  • November 2021
  • October 2021
  • September 2021
  • August 2021
  • July 2021
  • June 2021
  • May 2021
  • April 2021
  • March 2021
  • February 2021
  • January 2021
  • December 2020
  • November 2020
  • October 2020
  • September 2020
  • August 2020
  • July 2020
  • June 2020
  • May 2020
  • April 2020
  • March 2020
  • February 2020
  • January 2020
  • December 2019
  • November 2019
  • October 2019
  • September 2019
  • August 2019
  • July 2019
  • June 2019
  • May 2019
  • April 2019
  • March 2019
  • February 2019
  • January 2019
  • December 2018
  • November 2018
  • October 2018
  • September 2018
  • August 2018
  • July 2018
  • June 2018
  • May 2018
  • April 2018
  • March 2018
  • February 2018
  • January 2018
  • December 2017
  • November 2017
  • October 2017
  • September 2017
  • August 2017
  • July 2017
  • June 2017
  • May 2017
  • April 2017
  • March 2017
  • February 2017
  • January 2017
  • December 2016
  • November 2016
  • October 2016
  • September 2016
  • August 2016
  • July 2016
  • June 2016
  • May 2016
  • April 2016
  • March 2016
  • February 2016
  • January 2016
  • December 2015
  • November 2015
  • October 2015
  • September 2015
  • August 2015
  • July 2015
  • June 2015
  • May 2015
  • April 2015
  • March 2015
  • February 2015
  • January 2015
  • December 2014
  • November 2014
  • October 2014
  • September 2014
  • August 2014
  • July 2014
  • Contacto