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As Maravilhas, Elena Medel, Crítica, Deus Me Livro, D. Quixote, Dom Quixote
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“As Maravilhas” | Elena Medel

Por Ana Ilhéu · Em 10/03/2022

Será que os dias consistem em imitar as acções dos outros, em repetir gestos observados, adaptando-os para sobreviver? Esta pode ser a questão central em torno da qual gravitam as vidas de Maria e de Alícia, e ainda de Carmen, mulheres presentes no romance de estreia de Elena Medel, “As Maravilhas” (D. Quixote, 2021).

Alícia, Maria e Carmen, três mulheres espanholas, em diferentes momentos e contextos sociais e políticos, retratam o peso da família, da descendência, do dinheiro e do poder. Duas delas são protagonistas e estruturantes dos dilemas existenciais que ainda hoje se colocam especialmente às mulheres: o dilema da escolha e do inevitável antagonismo entre a individualidade e a família, a sobrevivência e a coexistência com a subjugação ao determinismo da dependência.

São fracturantes e actuais as questões que, especialmente Maria e Alícia, representam. Maria aprendeu a respeitar o desejo alheio do silêncio; aprendeu a chorar discretamente e a abdicar de tudo aquilo que o dinheiro, que não tinha, lhe poderia proporcionar, incluindo o amor da filha que parira aos 16 anos e deixara para procurar uma vida melhor. Trinta anos depois, Alícia faz o mesmo caminho. Ambas revisitam as suas vidas, servindo-se de memórias selectivas, na juventude e na adultez, sempre na procura de identidade e de aceitação, combinação que se revela especialmente complexa e árdua. Partilham memórias familiares, os amigos e os espaços de ensaio como a escola e a rua. Falam de relações, dos homens que as tornaram mulheres e dos quais procuraram distância, exactamente para continuarem a ser mulheres com vontade própria. Muitas delas são memórias traumáticas, capazes de desviar rumos de vida. Ainda assim, são processadas e integradas na vida destas mulheres, que prosseguem e se reinventam, reconstruindo-se a cada acontecimento, com provas superadas numa trajectória que se revela tudo menos linear.

As Maravilhas, Elena Medel, Crítica, Deus Me Livro, D. Quixote, Dom QuixoteA linha temporal percorrida no romance de Elena Medel vai da ditadura franquista até à explosão do feminismo, permitindo um estreito contacto com a realidade espanhola, na clivagem entre o rural e o citadino, na relação entre classes sociais, na transição de um regime político rígido e retrógrado para uma vida diferente. Através destas mulheres é possível acompanhar a evolução da sociedade espanhola, a sua luta interior pela preservação da identidade nas relações que estabelecem, o poder conferido pelo estatuto económico, pela estratificação social, pela influência formal e, fundamentalmente, pela atitude de desafio, com a qual é possível camuflar inseguranças e prosseguir.

A narrativa de Elena Medel revela uma lucidez e uma maturidade que se adivinha projectiva ou, pelo menos, fortemente inspirada em experiências seguidas de perto, em ensaios de desafio pessoal e de superação.

Elena Medel Navarro, nascida em 1985 em Córdoba, é uma poetisa, romancista, crítica literária e editora espanhola. Dirige uma editora de poesia e, em 2020, publicou em Espanha este seu primeiro romance, já premiado e considerado um dos melhores livros em espanhol de 2020. Entretanto traduzido para mais de uma dezena de idiomas, tem granjeado elogios entre o público em geral, como entre pares. Quem acompanhou a última edição do festival literário Correntes d’ Escritas, teve oportunidade de testemunhar o sentir da autora e ansiar pela prossecução do seu sentido apurado e sensível, no retrato de questões de identidade.

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Ana Ilhéu

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