“As Mães” (Alfaguara, 2023) abre sobre uma espécie de fim. A jovem Nadia Turner está metida numa nuvem negra emocional, tendo acabado de perder a mãe de forma particularmente violenta — Elise Turner dormiu no chão da igreja, depois meteu-se no carro, estacionou e deu um tiro na cabeça. Nem sequer deixou uma carta de suicídio, apenas uma filha de dezassete anos, um marido destroçado e um mundo de perguntas.
Nadia procura o seu lugar neste novo mundo sem mãe, e acaba por cair nos braços do filho do pastor da igreja Upper Room, Luke Sheppard. O breve romance leva a uma gravidez indesejada, gerando o segredo que os unirá para a vida: Nadia decide abortar, consciente de que um filho arruinaria as suas hipóteses de sair da cidade e ter uma vida independente, aquilo que mais deseja. Luke paga-lhe o aborto mas não aparece na clínica. Em lugar de apoiar Nadia afasta-se, e o resto do livro é assombrado por este facto, de diversas maneiras. Nadia, por seu lado, parte para a Universidade do Michigan em busca de uma carreira. Entretanto Aubrey, uma cristã devota e a melhor amiga de Nadia, começa a namorar com Luke, desconhecendo a relação anterior. Tornar-se-á sua mulher, vivendo uma versão da vida da qual Nadia fugiu.
A história de Nadia não é nova: uma rapariga adolescente a experimentar terrenos perigosos, sem noção do quanto tem ainda a perder. Porém, Brit Bennett constrói a personagem de uma forma subtil e inteligente: a jovem permanece lúcida durante o seu luto, observando “os professores, que lhe desculpavam os trabalhos atrasados com sorrisos pacientes; as amigas, que paravam com as graçolas quando ela se sentava junto delas ao almoço, como se pudessem ofendê-la com a sua felicidade”.
O enredo que une estas pessoas não é especialmente original ou interessante. Encontramos adultério, sentimentos de culpa e recriminação, um regresso a casa — contudo, não existem grandes arcos narrativos de transformação. O que eleva a prosa é a complexidade interior dos personagens, os sentimentos subtis que a autora vai desenrolando mansamente, de revelação em revelação, como quem desenreda um emaranhado novelo.
Brit Bennett começou a escrever este seu primeiro romance com a mesma idade da sua jovem protagonista, dezassete anos. Tal como Nadia, Brit era uma adolescente negra ambiciosa e inteligente, com vontade de sair rapidamente de Oceanside, onde cresceu. A autora só veria o livro editado aos vinte e seis anos. Durante o tempo de gestação da obra, a narrativa evoluiu de uma pequena história, focada em Aubrey, para um retrato mais abrangente e diverso de uma comunidade.
Nesse sentido, Bennett usa um dispositivo narrativo interessante: no início de cada capítulo, dá voz às velhas «mães» da igreja, espécie de coro grego que discorre sobre tudo o que o rodeia, lançando julgamentos morais, como se se tratasse da voz colectiva da pequena comunidade negra do sul da Califórnia.
No coração do livro estão as diversas facetas da maternidade: a perda da mãe de Nadia revela como os mais próximos podem ser um enigma para nós (e quem mais próximo do que uma mãe?); como a decisão de avançar com uma gravidez determina inapelavelmente o nosso futuro; o nascimento de um filho como ponto de inflexão que lança a nossa vida noutro rumo; ou como a escolha de não o ter pode ser uma ferida aberta durante décadas. “As Mães” é um livro pejado de segredos, traições e ajustes de contas, contidos nos ossos, corações e úteros das suas mulheres.
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