A poesia de Luís Garcia Montero, poeta e crítico literário espanhol e professor de literatura espanhola na Universidade de Granada, é apresentada aos portugueses com a antologia “As Lições Da Intimidade” (Abysmo, 2018), traduzida por Nuno Júdice, reputado ensaísta, poeta, ficcionista e professor universitário.
Este livro é o primeiro da coleção que o Instituto Cervantes e a editora Abysmo criaram para dar a conhecer ao público português os principais títulos das belas-letras espanholas. O poeta em causa pertence ao movimento de poesia espanhola contemporânea e publica desde 1980, pertencendo à geração que ficará conhecida pela designação dos pós–novíssimos. É, desde 2002, membro da Academia de Buenas Letras de Granada, partilhando a sua vida entre esta cidade e Madrid. Entre os prémios poéticos destacam-se o Prémio Nacional de Poesia, em 1995, o Prémio Nacional de Crítica, em 2003, e o Prémio Poetas do Mundo Latino, no México, em 2010.
Apesar de ter crescido numa família conservadora espanhola, a vocação política de Garcia Montero, casado com a também escritora Almudena Grandes, começou no Partido Comunista de Espanha em 1976.Como refere eloquentemente Nuno Júdice, na apresentação da obra: “A politica e o ensino, eis dois aspectos que complementam o poeta. Autor de ensaios comprometidos com a sociedade, de estudos sobre poesia (…), nunca o poeta se separa das suas outras actividades. Isto decorre, de resto, de algo que a sua poética irá assumir como sendo uma imersão da poesia na vida. (…) Na sua poesia, Luis Garcia Montero dedica-se a uma procura de olhar o mundo a partir de uma poética que se pretende exacta, utilizando uma captura do real que se pode descrever como fotográfica”(…)na base desse conceito poético de `poesia de experiência`.”
A obra está dividida, cronologicamente, em nove épocas da vida do poeta – desde 1982 a 2017 –, num diálogo permanente com os seus sonhos mais íntimos e com as suas perdas e desilusões, numa relação estreita com a realidade vivida e percecionada:
“Chegaste de novo. Esperava-te.
Para te estender o braço perdido de fumos,
A curva do cais, a solidão alheia
De Columbia University
E esta cinza fria
Nas pálpebras quebradas
Da cidade sem sonho”
A edição é bilingue: na página esquerda sempre em língua castelhana, na página direita em português, para dar ao leitor a possibilidade de cotejar os sentidos das palavras utilizadas nos poemas.E o sentido das palavras, magnificamente traduzidas, está todo lá em textos, também eles evocando-nos o recorte pessoano, eivados de uma poesia-experiência, de cadência inusual e por vezes mesmo abrupta, revelando ao leitor um mero episódio ou pensamento do quotidiano que lhe permite desenvolver um poema:
“Na mesa do lado,
Num jardim de senhoras endomingadas
Assinantes da ordem do murmúrio
E do chá de limão
Num café de inverno à tarde”
“Não há muito trânsito,
E se tudo correr bem talvez cheguemos
À hora prevista.
A casa das varandas em frente do mar”
“Já sei que outros poetas
Se vestem de poeta
Vão aos escritórios do silêncio
Administram os bancos do fulgor
Calculam com essências
Os saldos dos seus fundos interiores,
O seu archote de reis e de deuses
Ou são línguas de inferno”
O poema que dá o título à obra é um dos mais belos que a mesma contém. Porque a poesia de “Sei que agora estarás num poema// num poema meu,// o último, os versos da neve,//” banhados ainda pela luz//que decifra as coisas deste mundo” entra no coração de quem lê com uma intimidade que faz (parecer) ser possível conhecer melhor o poeta, adivinhando-lhe sofrimentos e emoções ambivalentes de humanas: “A intimidade diz-nos que há amores estranhos,//(…) que se torna impossível a traição // uma vez que aprendamos//a perdoar traições e verdades”.
Outro poema, o último da obra, contém versos lindíssimos:
“Saio pela memória e não chego a uma recordação
mas antes a este modo de viver devagar
as coisas que me dás.”
A presente Antologia, que dá a conhecer o conceito poético perfilhado por Montero, desafia-nos a procurar conhecer toda a sua obra, bem como a reflectir sobre o lugar do homem no mundo actual através de “um olhar que pensa e sente, e nesta conjunção permite transcender o efémero em algo permanente”.
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