A matemática foi a base do progresso técnico-científico que conduziu à sociedade contemporânea. O poder dos números é tão grande que os argumentos estatísticos se tornaram comuns em áreas tão distintas como a medicina e a justiça. Porém, a sua utilização nem sempre é bem-intencionada e até erros inocentes podem ter consequências catastróficas. Kit Yates, professor universitário de Biomatemática, demonstra-o para lá de qualquer dúvida no livro “As Fórmulas da Vida e da Morte: Os Princípios Matemáticos que Definem a Nossa Vida” (Saída de Emergência, 2020).
Esta obra apresenta a matemática de forma interessante, ao longo de capítulos temáticos, recheados de histórias verídicas de pessoas cujas vidas mudaram devido à boa ou má aplicação desta ciência. Fenómenos como o comportamento exponencial são explicados através de casos que vão desde um acidente nuclear ao crescimento populacional, passando por esquemas fraudulentos de investimento.
Todavia, mais do que explicar conceitos, o autor procura dotar os leitores de capacidade crítica para avaliarem os dados que lhes são apresentados, ensinando a detectar manipulações estatísticas por parte de jornais, campanhas publicitárias, políticos e advogados.
No sistema judiciário, a troca de argumentos matemáticos ocorre com o propósito claro de persuadir e conseguir uma condenação ou uma absolvição. Infelizmente, no cálculo de probabilidades, é fácil cometer erros significativos quando se parte de pressupostos incorrectos, o que pode conduzir a equívocos judiciais. Para evitá-los, o autor defende que todos os indícios, incluindo os vestígios de ADN, devem ser considerados em conjunto, com escrutínio dos métodos de elaboração das estatísticas associadas.
Na área da saúde, debate os limites dos testes de diagnóstico e revela como os resultados de ensaios clínicos de medicamentos podem ser transmitidos em termos que maximizam a percepção dos efeitos positivos e minimizam a dos riscos. Além disso, faz notar que até as tentativas de alcançar uma maior transparência podem sofrer enviesamentos. No Reino Unido, por exemplo, é aplicada uma fórmula para determinar se um novo fármaco será pago pelo sistema nacional de saúde, o que pode fazer a diferença entre a vida e a morte de doentes. A ideia é basear as decisões “na aparente imparcialidade e objectividade da matemática”, mas a própria fórmula contém juízos de valor sobre a qualidade de vida e os custos aceitáveis para preservá-la. De modo semelhante, as sequências de instruções a serem executadas por computadores, nos mais diversos algoritmos informáticos, integram, de forma propositada ou inconsciente, as tendências dos seus criadores.
O último capítulo, que destaca o papel crucial da epidemiologia matemática na luta contra doenças infeciosas, é especialmente relevante nos dias de hoje, em situação de pandemia. O livro tece críticas aos movimentos anti-científicos e termina com esperança no contributo positivo da matemática para o futuro da Humanidade.
No final da leitura, fica evidente que a matemática afecta o nosso quotidiano de múltiplas formas, desde pequenas decisões individuais à redação de leis nacionais. É importante entendê-la, pelo menos o suficiente, para prevenir as consequências da sua má utilização, pois “as conclusões retiradas até mesmo do mais sofisticado modelo matemático só têm a validade dos seus pressupostos mais imperfeitos”.
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