A “obra maior” de Rainer Maria Rilke (1875-1926). Assim se refere Maria Teresa Dias Furtado à obra “As Elegias de Duíno” (Assírio & Alvim, 2020), numa nova edição que chegou às livrarias com o selo da Assírio & Alvim.
Habitados em paralelo pelas ideias de vida e morte, amor e dor, alegria e tristeza, estes versos reúnem, segundo a tradutora, “a grande sinfonia da sua vida e do seu tempo, percorridos pela inquietação e pela angústia, dilacerados pela Primeira Guerra Mundial, envoltos nas vagas das novas filosofias – Kierkegaard, Nietzsche, Bergson -, atraídos pelas novas descobertas no campo da psicologia humana – Freud – e no campo da ciência e da tecnologia”.
Herdeiro maior de Hölderlin, Rilke começou a escrever esta obra em Janeiro de 1912 no Castelo de Duíno, junto ao Adriático, obra que irá terminar apenas dez anos depois, em Fevereiro de 1922, na Torre de Muzot, na Suíça. O Castelo de Duíno era então propriedade de Marie von Thurn und Taxis-Hohenlohe, amiga, mecenas, anfitriã e amiga de Rilke. Uma mecenas que terá compreendido o cerne da obra de Rilke, distanciando-a do contemporâneo Hofmannsthal. Se este último era “o poeta da vida bela, terrível, alegre e trágica, mas sempre da vida”, já Rilke foi sempre o “poeta da morte”, alguém que imaginava o amor dos outros com a certeza de que esse era, para ele, um sentimento inalcançável.
Rilke chegou a pensar em entregar apenas duas das Elegias, incerto sobre se conseguiria terminar este trabalho de fôlego, mas o apoio – financeiro e moral – da mecenas foi fundamental para que as dez elegias fossem terminadas, numa década passada entre várias geografias.
Esta edição inclui uma carta do próprio Rilke, redigida a 13 de Novembro de 1925, onde, respondendo a algumas perguntas enviadas pelo seu tradutor polaco, fala desta obra como “um aperfeiçoamento na sequência daqueles pressupostos essenciais já presentes n`O Livro das Horas”, onde a afirmação da vida e da morte constituem “uma única e mesma coisa”. Sobre o Anjo das Elegias, diz ser “a criatura em que já se deu a transformação do visível em invisível que nós operamos”.
A proposta de Rilke terá sido, segundo a tradutora, uma quase negação da tradição cristã ocidental, na procura de uma nova ascese, de uma libertação que surgia através de “eternizar o que é fugaz”, abrindo a porta ao que se segue à vida terrena. Um livro onde, através destas dez elegias, Rilke procurou resolver os problemas da inalcançável existência humana.
Não creias que eu te pretenda.
Ó Anjo, e mesmo que eu te pretendesse! Tu não vens.
Pois o meu
chamamento está cheio de oposição; contra semelhante
torrente é impossível caminhares. O meu grito
é como um braço que se estende. E a mão
que ao alto se abre para alcançar fica diante de ti
aberta, como defesa e advertência,
ó inalcançável, toda aberta.
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