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Arquipélago de Escritores 2022: Entrevista com o director Nuno Costa Santos

Por Pedro Miguel Silva · Em 06/10/2022

Está a chegar mais uma edição – a quinta – do Arquipélago de Escritores, festival literário que, este ano, se divide entre duas geografias e calendários: em São Miguel, de 7 a 9 de Outubro, e na Terceira, de 13 a 16 de Outubro. Festival que, mantendo uma relação quase umbilical entre a literatura e a música, salta dos livros para a pista de dança, com concertos – como o d`Os Perdedores, o novo projecto de Manuel Fúria, ou o dos nova-iorquinos The Wants, praticantes de um post-punk a piscar o olho ao techno e à electrónica –, uma feira do disco, workshops sobre escrita de letras para canções, conversas à volta de escolhas musicais e fins de noite com DJ`s a fazerem a festa. E, claro, servindo literatura entre lapas e queijo picante, seja com uma masterclass de Richard Zenith sobre a passagem de Fernando Pessoa por Angra, a adaptação ao teatro de dum livro da micaelense Margarida Victória – ou Marquesa de Jácome Correia, se preferirem -, conversas com boa gente como Nuno Artur Silva, Isabela Figueiredo ou José Carlos Barros ou a homenagem à obra de Vasco Pereira da Costa, cuja vida literária assinala em 2022 cinquenta anos.

Para sabermos mais sobre esta edição do Arqupélago de Escritores, colocámos algumas questões a Nuno Costa Santos, director deste Arquipélago, que falou da pista de dança como uma forma de catarse e nos levou numa visita guiada pelo programa das festas – incluindo o convidativo DJ set “Singles e Minis”. O convite, esse, fica feito com paixão: «Venham! Já o disse e volto a dizer: vir aos Açores é, em si, uma experiência literária».

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Chegado à sua quinta edição, o Arquipélago dos Escritores estreitou ainda mais a relação entre a literatura e música, olhando para a cantiga como uma arma narrativa. Este ano descobrem-se, para lá dos concertos e fins de noite com DJ`s a tomarem conta dos pratos, uma feira do disco, workshops sobre escrita de letras para canções e conversas à volta de escolhas musicais. Faz já parte do ADN do Arquipélago compor uma banda sonora para cada edição?

Depois de, no primeiro ano, a relação ter sido consagrada com um concertaço de Medeiros-Lucas no Teatro Micaelense, aprofundamo-la agora de diferentes maneiras. Tudo se entrelaça e comunica. Coloque-se um livro no gira-discos e percebe-se que funciona. Há mais um acontecimento a merecer o nosso destaque que é o lançamento de “Letras de Canções e Outros Rascunhos”, de António Melo Sousa, conhecido radialista e letrista açoriano que viveu durante anos nos EUA e trouxe de lá uma série de referências pessoais, musicais e ideológicas – como a do fundamental Gil Scott-Heron.

António Melo Sousa

António Melo Sousa

Um dos grandes destaques vai para a presença dos norte-americanos The Wants, praticantes de um post-punk a piscar o olho ao techno e à electrónica –, que teve o primeiro registo longo com “Container”, disco de 2020.

Desde que saiu é ouvido com regularidade cá em casa. Penso que é, no registo, que conjuga o pós-punk (para simplificar – embora seja um selo cada vez mais questionável), a electrónica e aquilo que antes se chamava música industrial, do melhor que se tem feito. Há ali um sentido de rigor, um minimalismo (na composição, na letra), mas ao mesmo tempo há uma grande energia e uma enorme potência (ouça-se, por exemplo, “The Motor”). Vi na net um concerto deles em França, que foi gravado pelo canal ARTE, e percebi que têm uma óptima performance. Diga-se que um dos elementos da banda é dos conhecidos Bodega, mas, a meu ver, e passe o argumento nietzschiano, os The Wants são superiores. Mais surpreendentes. Têm tocado sobretudo no circuito underground nova-iorquino e agora vêm tocar à Terceira, ao Museu de Angra do Heroísmo.

Foto: Madison Carroll

The Wants Foto: Madison Carroll

Muita expectativa, também, para a apresentação – em primeira mão e ao vivo – do novo disco de Manuel Fúria e do projecto Os Perdedores, que surpreendentemente – ou não – abraça os teclados e a electrónica, usa e abusa dos beats, deita a mão a uma série de samples e entra, de forma atrevida, na pista de dança.

O novo projecto do Manuel Fúria é uma reinvenção que entendo como filosófica-existencial. Vejo-o como uma purga de uma certa exposição e de todos os mecanismos que esta implica e que já pouco ou nada (nada é o termo) lhe dizem. Perguntei-lhe por é que foi buscar a electrónica para o projecto e ele disse-me que sempre teve esta ideia de fazer um projecto com esta argamassa. E, se pensarmos bem, dançar sozinho, de olhos fechados, numa pista de dança, pode ser uma forma de catarse.

Dois discos de andamentos muito diferentes mas que, entre si, partilham a ideia da música como uma manifestação pouco silenciosa. Os The Wants numa perspectiva mais política e com uma geografia mais planetária, Manuel Fúria num registo mais diarístico e numa geografia para nós mais familiar.

Ambos têm um chão de electrónica e isso não deixa de ser curioso. Porque não foi uma rima que tenhamos procurado. E os pontos que referes existem e por vezes confundem-se. Às vezes os The Wants são mais diarísticos e os Perdedores são mais políticos. O Madison Velding-Vandam é um cronista dos dias inumanos que vamos pisando e observa-os a partir de Brooklyn, onde vive.

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Manuel Fúria

Manuel Fúria e Madison Velding-Vandam (vocalista dos The Wants) que se juntam a Cláudia Cardoso para uma sessão intitulada “Romance com a Música”. Haverá tempo para discos pedidos ou a conversa andará mesmo à volta da escrita de letras?

A conversa será centrada na partilha de discos e livros feita pelos convidados – dois músicos e uma directora de uma biblioteca. A música e a literatura que os moldou no passado e a que os enforma no presente. Portanto, irá além das letras. É um mambo completo. A seguir, haver um DJ set intitulado Singles e Minis. Haverá melhor combinação?

O Arquipélago propõe, para além da música, outros cruzamentos literários, seja com o cinema e a televisão, o teatro ou o sempre fascinante universo das fanzines – sem esquecer a memória individual e colectiva das Bibliotecas Itinerantes da Gulbenkian. Uma forma de mostrar outras geografias e caminhos literários?

São gestos que se complementam. Pensar o cinema e a televisão em lugares aparentemente periféricos mas cheios de possibilidades como são os Açores é algo que se adequa a um encontro como o Arquipélago de Escritores. Um encontro que acredita que se deve procurar sempre o progresso nas áreas culturais. Progresso que começa por ser diagnóstico e passa depois a ser um conjunto de propostas para melhorar aquilo que merece ser melhorado. Vamos lá.

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Richard Zenith

Num ano onde se tem carregado José Saramago em ombros, a figura central do Arquipélago será Fernando Pessoa, filho de uma terceirense, dado a muito poucas viagens e que esteve em Angra quando tinha 13 anos, manifestando já talento para a criação de heterónimos. O que poderemos esperar da sessão com Richard Zenith, autor de “Pessoa: Uma Biografia” e um dos grandes estudiosos da arca perdida pessoana, e de que outra forma marca Fernando Pessoa presença neste Arquipélago?

Nós próprios estamos curiosos. Sabemos os traços gerais dessa estadia mas acreditamos que Richard Zenith, depois de estar durante vários dias em Angra, numa residência literária, partilhará pormenores surpreendentes sobre essa viagem de um autor de poucas viagens. O David Soares também vai escrever um conto a partir dessa passagem pessoana pela Terceira e fará a partilha da história no contexto do festival, numa conversa conduzida pela Ana Cristina Gil, em que estará acompanhado pelo Renato Filipe Cardoso.

A valorização de Ponta Delgada e de Angra do Heroísmo, duas cidades naturalmente literárias, será realizada através de roteiros personalizados e da realização de sessões em espaços como livrarias, bibliotecas, museus, cafés e bares, ao mesmo tempo que aponta o foco para autores do Arquipélago, seja através da apresentação de uma peça de teatro construída a partir do polémico livro “Amores da Cadela Pura”, da micaelense Margarida Victória, Marquesa de Jácome de Correia, que segundo reza a lenda soube resistir à força das convenções, dos espartilhos rígidos e das razões preconcebidas, ou da homenagem à obra de Vasco Pereira da Costa, cuja vida literária faz 50 anos este ano, festejada a partir da edição do seu novo livro de poemas, “Os Nós do Tempo”.

Sim. Há muita coisa em cima da mesa. O que torna difícil fazer destaques – porque, nesse movimento, há vários acontecimentos que ficam de fora. Já vi a peça “Mas Muito Marquesa” e acho que é muito boa na forma como recupera essa aristocrata desafiadora dos costumes da sua época num meio pequeno e com uma cartilha conservadora. Uma peça cheia de ritmo, verve e inventividade. Vasco Pereira da Costa é um autor maior, que merece todos os reconhecimentos e traz um “fogo oculto” (título de um dos seus livros de poesia) que merece ser partilhado. A propósito da relação entre literatura e música, lembro um poema de sua autoria chamado “David ao Som de Dylan”, que joga com a temática “pedras”, a partir dos versos “I am a complete unknown/ Like a Rolling Stone”.

Estando o turismo literário ainda longe de ser uma – como diriam os influencers desta vida – uma tendência, o que dirias para convencer os continentais a darem um saltinho a uma das ilhas durante um dos fins-de-semana deste quinto Arquipélago de Escritores?

Vão-se, um pouco por todo o lado, concretizando alguns projectos de turismo literário, com roteiros desenhados pelos autores. No caso dos Açores parece-me fundamental porque temos um património literário assinalável e é importante que haja alternativas ao turismo massificado. Nós estamos a meio do Atlântico, o que poderia fazer-nos incorrer numa série de dificuldades. Mas essas dificuldades estão a pedir para serem desmontadas. Porque hoje é fácil vir cá – e, caso o argumento seja o financeiro, por um preço bastante razoável. Nesse sentido é de gritar com paixão: “Venham!” Já o disse e volto a dizer: vir aos Açores é, em si, uma experiência literária.

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Pedro Miguel Silva

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