Prémio de Melhor Livro do Ano do Festival de Angoulême. Melhor Livro da Década para a revista Les Inrocks. Um dos 100 Melhores Livros do Séc. XXI escolhidos pelo El País. São estas as boas referências de “Aqui” (Cavalo de Ferro, 2024), a novela gráfica imaginada por Richard McGuire em 2014, que conheceu, recentemente, uma adaptacção cinematográfica pela mão de Robert Zemeckis, com Tom Hanks num dos principais papéis.

“Aqui” não é, de todo, uma novela gráfica – ou uma história – convencional. É, mais do que uma narrativa com princípio, meio e fim, uma obra de arte intemporal, um quadro sem legenda ou folha de sala, a história de um espaço geográfico – o interior de uma casa – e dos vários acontecimentos que aí tiveram lugar ao longo de milhares de anos, recuando até aos confins da história e arriscando uma vertigem futurista, avançando até um pouco risonho ano de 2313. Qualquer coisa como um 2001: Odisseia no Espaço, onde a nave se vê trocada por uma sala – e cuja viagem arranca com, imagine-se, uma anedota de médicos:
“Um tipo pergunta ao médico pelos resultados dos exames.
O médico diz: «Bem, Sr. Jones, tenho boas e más notícias… A boa notícia é que você tem vinte e quatro horas de vida.»
«Essa é a boa noticia?! Qual é a má notícia?!»
Diz o médico: «Eu deveria ter-lhe dito ontem.»”
Ao longo de 300 páginas, Richard McGuire mostra diferentes composições familiares, os objectos relevantes em cada universo pessoal e/ou familiar, a evolução da tecnologia – por exemplo, na forma de registar imagens para memória futura -, os diferentes tipos de vestuário, as sucessivas remodelações – que resultam em paredes de cores diferentes ou abraçadas com papel de parede – ou a ideia de progresso, mesmo antes de haver sequer a ideia de uma casa naquele lugar, casa que começou a ser construída em 1907. Há também suspiros e lamentos – “Quanto mais velha fico, menos sei” -, festas várias, a vivência/experiência da solidão, acidentes, insultos e perdas, a efeverscência da vida e o prenúncio de morte.

O trabalho gráfico de Richard McGuire é de uma originalidade tremenda, como quando, numa mesma página dupla, se sobrepõem vinhetas de diferentes épocas temporais, que mostram diferenças subtis mas essenciais. Um livro que olha para a efemeridade mas, também, para aquilo que permanece e nos torna humanos. Raro e revolucionário.
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