É mais um volume da recomendadíssima colecção Dois Passos e Um Salto, que se diz sem idade e promete “diferentes histórias, temas e vozes: aventuras, viagens, diários, mistérios, magia, histórias com final feliz e outras que farão os possíveis…“.
Fruto da parceria de Ana Pessoa (texto) e Joana Estrela (ilustrações), “Aqui é um bom lugar” (Planeta Tangerina, 2019) é um diário gráfico fora do comum, que aos pensamentos reservados à confidência do papel junta, também, fotos e recortes, desenhos entre o esboço e o pormenor, onde a escrita é também um gesto de ilustração, num livro com uma paginação irrepreensível cabendo ao azul e ao preto o domínio absoluto sobre a neutralidade do branco.
A diarista dá pelo nome de Teresa Tristeza, uma adolescente de dezassete anos, que nos dá conta do seu mundo no intervalo temporal entre o outono e o verão da passagem dos 17 aos 18 anos de idade – que corresponde ao encerrar do capítulo da Escola Secundária e à projecção do mergulho na Universidade.
Os pequenos e grandes leitores acompanham os pensamentos e emoções de Teresa, que vão da banalidade às mais inquietas profundezas: fala-se da couve-flor como “o legume mais enfadonho de todos os tempos“; inventa-se um conto popular protagonizado por dois fósforos suicidas; trincam-se os chocolates de Fernando Pessoa; fazem-se piadas secas com focas; reflecte-se sobre janelas; arranja-se um twist bem catita à expressão “cada um faz a cama em que se deita“; aplaudem-se as frases certeiras das avozinhas como “Acho que até fiquei sem ar um bocadinho“; cora-se ao falar do fraquinho pelo professor de Educação Física; escrevem-se cartas desvairadas ao amigo secreto; passeia-se pelas margens com comandos online como save, copy, palavras-passe e likes; fazem-se as perguntas que interessa, como o que são o pensamento, a imaginação e o amor.
Pelo meio surgem quatro livros, que estão na mesa-de-cabeceira e na mochila de Teresa Tristeza, quase todos eles de leitura obrigatória: “Até ao Fim”, de Virgílio Ferreira; “Fahrenheit 451”, de Ray Bradbury; “História de um caracol que descobriu a importância da lentidão”, de Luís Sepúlveda; e “O amante”, de Marguerite Duras.
A certa altura, no meio de uma série de devaneios, Teresa Tristeza pergunta se “é preciso fazer um desenho“. A isto, o leitor só pode responder desta forma: sim, pelo menos um caderno deles. Para ler, reler e folhear vezes sem conta.
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