No que toca ao ensino, se tivéssemos de encontrar o elefante na sala de aula, nada seria mais fácil: a matemática. Há mesmo quem, apanhado em pesadelos recorrentes com fórmulas, fracções e outros jogos de cálculo, se decida pelas Humanidades, só mesmo para fugir com o rabo à seringa. Uma boa ideia para combater este desânimo e pânico matemático generalizado seria, talvez, eleger Jorge Buescu como embaixador para a matemática, mesmo que os valores não cheguem nem perto aos que Ronaldo vai meter ao bolso para fazer de conta que na Arábia Saudita é que se joga à bola.
Jorge Buescu nasceu em Lisboa em 1964. Licenciou-se em Física na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL) em 1986, concluiu o Mestrado em Matemática no Instituto Superior Técnico em 1991 e doutorou-se em Matemática na Universidade de Warwick em 1995. Depois de duas décadas como professor no Técnico, é hoje Professor Associado com Agregação na FCUL. Porém, para lá de todo este lado académico de que só revelámos parte, Jorge Buescu é também um contador de histórias, com uma série de livros publicados que transformam a Matemática em matéria literária. Algo que faz com que Carlos Fiolhais, que assina o prefácio deste “Amor, Matemática e Outros Portentos” (Gradiva, 2022), fale em “verdadeiro serviço público”.
Em 13 breves capítulos, nos quais a Matemática dança por diversas vezes com a Física, Jorge Buescu parte de episódios mais ou – sobretudo – menos conhecidos: Gerbert D`Aurillac, que para a história ficou conhecido como Papa Silvestre II, mas também como o Papa Matemático. Foi ele a introduzir, na Europa, o sistema de navegação posicional e os algarismos indo-árabes, incluindo o zero, bem como o astrolábio, fazendo render a máximo o benchmarking; a dinastia Bernoulli, que em pouco mais de um século deu origem a oito matemáticos de primeira linha – o que faz pensar se não existirá por aí um “gene matemático”; Adrien-Marie Legendre, o matemático sem rosto ou que, durante séculos, figurou nas enciclopédias matemáticas e livros científicos com o rosto de um político; a história de William Henry Young e Grace Chisholm Young, qualquer coisa como a versão matemática do clássico amor e uma cabana; o planeamento de experiências e o nascimento da estatística moderna com Ronald Fisher (e uma chávena de chá); o método de contraste de fase, o mais importante método de microscopia óptica que nasceu por linhas tortas (e perversas); o (então) deprimido Feynman, que regressou à vida depois de se ter perdido de amores por um prato brasonado rodando em pleno ar, e que reencontrou o seu mantra de vida: a ciência é um prazer; Lorenz, o cientista mais influente da segunda metade do século XX – que nos deu a imagem eterna da borboleta; as Medalhas Fields, qualquer coisa como o Nobel da Física, que apenas por duas vezes foram atribuídas a mulheres; a área abstracta da matemática conhecida com Transporte Óptimo, que explodiu em anos recentes mas remonta às fortificações militares da Europa Setecentista; a tecnologia dos Gémeos Digitais, o novo Big Data que “integra ciência de dados, modelação matemática e simulação computacional que pode revolucionar a indústria e os serviços no século XXI”; o Gomboc de Colombo, parecido com “um ovo com umas suaves arestas”, que nasceu de uma obsessão e é hoje um objecto de merchandising matemático, disponível em vários materiais e cores; e, a fechar, o “mundo encantado dos brinquedos do professor Tokieda, onde não existe magia, apenas Física e Matemática” – e que pode bem fazer sensação da vossa próxima festa de família. Quem disse que a Matemática não podia ser cool?
Sem Comentários