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Almoço de Domingo, Deus Me Livro, Crítica, Quetzal, José Luís Peixoto
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“Almoço de Domingo” | José Luís Peixoto

Por Ana Ilhéu · Em 04/08/2021

José Luís Peixoto dispensa apresentações. Rui Nabeiro idem. Ambos sugestionam o leitor na arte de erigir obra: o primeiro literária, o segundo empresarial e, em muitos aspectos, humanitária. Ambos alentejanos, com uma ligação umbilical à família, à terra e às origens, aos momentos que contribuíram para a sua formação pessoal.

Têm-se assistido a várias apresentações do livro “Almoço de Domingo” (Quetzal, 2021), registos factuais e memórias emocionais do empresário comendador Rui Nabeiro, romanceadas por José Luís Peixoto, em resposta a um repto lançado pelo próprio retratado. Um verdadeiro diálogo entre titãs, de gente que confere sentido e relevo a gestos simples, como agradecer as origens humildes, os desafios que aportaram valor às experiências da infância, da juventude e da adultez, que confiaram na sua intuição e nos que os rodearam, impulsionando o crescimento pessoal e o desenvolvimento de outros.

Rui Nabeiro, (re)conhecido empresário português, viu a comemoração dos seus 90 anos de idade ser assinalada com o lançamento deste romance biográfico. Tudo começou com a habitual audácia de Rui Nabeiro que, ao assistir à participação de José Luís Peixoto num programa televisivo, lhe pediu para escrever as suas memórias. Queria falar dos pais, de acontecimentos diversos da juventude, da vida. Não foram memórias, no sentido literal do termo, que Luís Peixoto redigiu; não considerou ser esse o seu papel, propondo-se escrever um romance biográfico, à imagem de uma entrevista de vida ao empresário. A coisa aconteceu. Rui Nabeiro revelou e José Luís Peixoto romanceou. Para o autor, a escrita do livro foi uma viagem, no tempo e na vida do comendador e de uma comunidade, com paragens inevitáveis ditadas por episódios marcantes da sua trajectória conhecida, mas integrando alguns episódios até então reservados à intimidade, a uma vida partilhada e desenhada com base no afecto e no compromisso pessoal, familiar e social. O resultado é um relato profundamente intimista.

Almoço de Domingo, Deus Me Livro, Crítica, Quetzal, José Luís PeixotoDois dias antes de completar 90 anos, o senhor Rui, como é nomeado no livro, acordou sem idade, mapeando o corpo e a memória. Sabia o que o esperava porque tinha bem presente o caminho percorrido. Sabia que envelhecer era acumular dores, motivo pelo qual nunca quisera acostumar-se à posse, fosse do que fosse. Reconhecia, nos novos, a arrogância do desconhecido, a vaidade e a presunção, “sem repararem que levam um céu de pedra suspenso sobre a cabeça”. A alegria passara a ser uma espécie de vaidade, convicto de que a riqueza não era só material. Para tanto alimentava e cuidava do amor pela vida, nos sessenta e sete anos casado, na forma como exercia o patriarcado: “um bloco sólido, apesar das diferenças, entre estes com certo feitio, aqueles com outro feitio, cada um com a sua vida, cada um com a sua idade, homens e mulheres, crianças e quase adolescentes. Conforme peças que constituírem uma obra”. Fê-lo, igualmente, nos negócios e na comunidade, purgando o poder formal de autoritarismo, humanizando o sector empresarial e acreditando que nos pequenos gestos assentam as grandes obras. Um optimista nato, que continuou a acreditar no futuro, sempre melhor que o presente, especialmente se se acreditar que as pessoas têm valor e potencial, que são alguém. O senhor Rui acreditou em muita gente que mal conhecia só porque sim, pela sua especial sensibilidade para o outro, para integrar mais do que é visível e imediato.

Esta atitude fez de Rui Nabeiro alguém que, no dia do lançamento do livro e da comemoração do seu aniversário, recebeu muito da terra que sempre cuidou e que ainda hoje o cuida, de forma carinhosa e magistral; recebeu, também, 90 abraços de sua Excelência o Presidente da República, um abraço por cada ano de vida, por cada obra produzida – em especial, pela maneira como lutou pela sua terra e pelos seus conterrâneos.

José Luís Peixoto escreve como sempre, de forma magistral e cristalina, como se estivéssemos lá, nos diálogos e nos retratos. Há poesia na sua capacidade de deixar escorrer relatos e emoções, deixando-as fluir em direcção ao outro, ao leitor, esse personagem anónimo e, ainda assim, tão respeitado no relato do senhor Rui e na prosa do autor. Se adicionarmos a esta imagem a voz de Diogo Infante, o cenário é perfeito.

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Ana Ilhéu

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