Hans Christian Andersen, Irmãos Grimm e Ambrose Bierce. São para eles os agradecimentos que Tomi Ungerer dirige em “Allumette” (Kalandraka, 2017), uma recriação do conto “A Menina dos Fósforos”, de Andersen, escrito por Ungerer em 1974, que lhe decidiu atribuir um final bem mais feliz que o do conto original.
Qualquer que fosse a estação do ano, Allumette vestia-se com farrapos, sem casa para onde regressar ou pais para dela cuidar, deambulando pelas ruas como uma toxicodependente menor à procura de moedas para a próxima dose. Vivia de restos, idas aos caixotes do lixo e passava as noites dentro de carros abandonados, vendendo fósforos, e muitos se perguntavam por que razão não vendia antes flores ou isqueiros.
Virando-se para a reza, dirigida a nenhum deus ou entidade em particular, vê cair do céu um bolo de aniversário e perus assados, e logo a seguir cobertores macios ou um triciclo, numa chuva de objectos que parece não querer parar. Da noite para o dia, aqueles que a desprezavam decidem tornar-se nos seus melhores amigos.
Tomi Ungerer aponta aqui alguns dos grandes defeitos do género humano, como a agressividade, a cobiça, o excesso de materialismo, o elitismo ou a supremacia do poder, ao mesmo tempo que promove o arrependimento e a necessidade de, para o bem ou para o mal, nunca se esquecer as origens.
Um clássico feito de ilustrações expressivas – poderiam estar a acompanhar um livro de Dickens -, muitos detalhes e cores expressivas, que tem como cenário, tal como o conto original, a quadra natalícia. Ainda há esperança na humanidade, parecia querer dizer Tomi Ungerer, ele que, para além de ter levado para casa distinções como a Medalha de Ouro da Sociedade de Ilustradores ou o Prémio Hans Christian Andersen em 1998, desenvolveu a sua faceta de filantropo vocacionado para causas humanitárias, tendo nas suas obras reflectido a oposição à guerra, ao fascismo e à superficialidade da sociedade americana.
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