“Não há terras mais belas, em todo o território português, do que os Açores. Nem em nenhum outro país europeu. Os campos são ainda mais exuberantes do que o verde Minho ou Irlanda; as lagoas, mais lendárias e sobrenaturais do que as da Escócia ou os mil lagos finlandeses; a arquitectura da paisagem, que sobe a costa até ao interior em grandes e caprichosos arcos montanhosos, nada fica a dever às alturas de montanha que movem e encantam o olhar da Europa – isto dizem-no os próprios europeus que ali viajavam.”
No ano em que João de Melo foi galardoado com o Prémio Vergílio Ferreira, instituído pela Universidade como um reconhecimento máximo da obra literária de um autor português, a Dom Quixote relança, numa edição mais pequena – quase equivalente às de bolso, fáceis de transportar –, o seu livro “Açores – O Segredo das Ilhas” (Dom Quixote, 2016 – reedição).
Escrever sobre viagens é colocar de lado a possibilidade do esquecimento, guardando no papel e através das palavras, os lugares mais belos registados pelos olhos de quem viaja. Descrever os Açores não é tarefa fácil mas ninguém melhor do que o autor, com as suas “origens islenhas”, para dar a conhecer os mais belos lugares de Portugal.
“Açores – O Segredo das Ilhas” resulta de duas viagens realizadas às nove ilhas dos Açores em 1997. Indo de “ilha após ilha, e de terra em terra, por entre segredos”, João de Melo ouviu histórias, à medida que revia e vivia “as cores e maravilhas” de uma paisagem já conhecida “na sua quase totalidade, de anteriores visitas e de outras andanças”. De bloco de notas na mão, possivelmente com uma câmara fotográfica da época – se tal já fosse possível – nas mãos, cada pormenor pertencente a cada ilha mereceu a atenção do autor, através de belos textos. Percursos, visões – ou vislumbres, no momento em que João de Melo descreve as paisagens, ao olhar para elas –, histórias e descrições dão vida e sentido a este Açores.
Cada ilha tem as suas características, as suas distinções geográficas ou, até mesmo, a sua personalidade. Como é o caso do Corvo, com a costa mais redonda e mais certinha e elevada dos Açores (“Ela é a base segura e alargada deste grande búzio, caracol de ilha, aba de uma cornucópia bojuda”) ou da ilha das Flores, com os caminhos para as lagos e caldeiras serem uma distinção para a beleza da paisagem (“É toda uma arquitectura de montanha, obra de tão profundos contrastes”). Há um caminho a ser percorrido a partir da primeira página deste livro: é o leitor que o escolhe. Desde seguir à risca a ordem de todos os textos do autor ao longo da obra, ou saltar entre todos – sem nunca saber escolher qual a próxima ilha a visitar –, cabe ao leitor decidir. É uma viagem planeada desde o primeiro texto até ao último, um elogio máximo a estas tão formosas ilhas portuguesas.
Ao contrário da primeira edição de 2000, faltam-lhe as imagens e quadros utilizados como ilustração das palavras, mas o tamanho de bolso compensa plenamente. É um pleno convite para ser levado em qualquer mala sem fazer peso, numa época em que se dá cada vez mais valor ao transporte máximo de obras com o mínimo peso possível. Dizem que uma imagem vale mais do que mil palavras, mas neste “Açores” é precisamente o contrário: uma palavra vale mais do que mil imagens. As descrições e as histórias contadas por João de Melo são de uma qualidade extrema, especialmente para um leitor desconhecedor das suas obras de ficção, com uma quase capacidade de transporte para o lugar físico.
Os viajantes são, provavelmente, os seres humanos mais ricos. Se forem capazes de olhar atentamente à sua volta, num território diferente, e crescerem a cada momento, são capazes de mudar a sua zona monótona e de conforto. Se forem capazes de colocar esse olhar em textos de qualidade, dão a oportunidade de milhares de leitores crescerem com as suas narrativas de viagens – e, tantas vezes, esses mesmos leitores podem não ter a possibilidade de saírem de quatro paredes. “Açores – O Segredo das Ilhas” é uma excelente e bela homenagem às ilhas dos Açores. Um forte guia literário, com algumas componentes turísticas, para os apreciadores de literatura de viagem.
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