Reconhecido à escala mundial em matéria de neurociência cognitiva na aprendizagem e tomada de decisões, chegou às livrarias a obra – descrita, muitas vezes, como provocadora – do neurocientista Mariano Sigman, “A Vida Secreta da Mente” (Temas e Debates, 2018). No abismo de desconhecimento em relação ao nosso cérebro, já que há tantas questões que não estão esclarecidas para o mais leigo dos leitores, o autor é um guia para explicar o funcionamento do órgão mais fascinante do ser humano: o cérebro. Este é, à primeira vista, um livro para ser lido por qualquer um sobre as teorias mais complexas e também as mais simples sobre o que acontece quando pensamos, decidimos e sentimos.
Emily Dickinson escreveu, tal como é apresentado na contracapa, que “o cérebro é mais profundo do que o mar”: e este é, provavelmente, o cartão-de-visita para esta obra de Mariano Sigman. Qualquer leitor que se interesse pelo cérebro, pelo inconsciente, pela construção da personalidade, tem agora a oportunidade de explorar este tema – com tanta matéria-prima – através de uma linguagem simples. O que diria se lhe perguntassem, numa questão para responder em poucos segundos, o que conhece sobre o cérebro? Sobre este órgão tão complexo que comanda cada ser humano e o torna tão distinto? “A Vida Secreta da Nossa Mente” é a tentativa para responder a esta e tantas outras perguntas sobre o que nos torna únicos como espécie.
Sigman começa por levar os leitores à infância: mais precisamente à construção de pensamento, confirmando que a linguagem nos bebés já está pronta bem antes de começarem a falar. Explica também porque é que é mais fácil colocar crianças a aprender um idioma do que numa fase mais tardia. E, claro, outras questões e teorias relacionadas com o cérebro em tenra idade. À medida que apresenta as suas teorias, o trabalho de outros profissionais – não só, claro, da área da neurociência – é dado a conhecer. É uma porta aberta para novos caminhos serem explorados, se for essa a vontade do leitor. Nesta “Vida Secreta da Nossa Mente” há uma mistura de ciências: biologia, psicologia, matemática, medicina, numa lista sem fim. No entanto, mais do que uma explicação sobre a pré-disposição para a linguagem, há uma viagem pela construção de carácter em tenra idade.
“Muito antes de se tornarem grandes juristas, filósofos ou economistas ilustres, as crianças – incluindo as que foram Aristóteles, Platão e Piaget – já têm instruções sobre a propriedade. Com efeito, as crianças expressam o pronome «meu» e «minha» antes de utilizarem «eu» ou o nome próprio. Esta progressão da linguagem reflecte um facto extraordinário: a noção de propriedade precede a identidade e não o inverso.”
Num outro momento, são exploradas as questões de contorno da identidade ou, por outras palavras, sobre a consequência das nossas decisões e actos. “Somos aquele que decide a vida assumindo riscos ou de forma conservadora” e, na maioria das vezes, há como explicar as diferenças na personalidade que tornam cada humano tão diferente do seu par. Provavelmente, a maior riqueza deste livro é a subtileza como o conteúdo mais teórico está camuflado na escrita simples e, sobretudo, no quotidiano das situações descritas. É, de uma forma simples, como ler um conto de fadas sobre o cérebro.
Chega-se depois a outros capítulos mais dedicados ao cérebro e que deixam para trás o comportamento e a construção do carácter do ser humano: há uma exploração do pensamento e do comando da inconsciência. Em que pensa um doente em estado vegetativo? Como é que pode ser feito o registo dos sonhos? Questões um tanto ou quanto complexas que são respondidas pelo autor ao longo da sua obra.
“A Vida Secreta da Mente” é uma viagem ao cerne do que nos dá a capacidade ser realmente humanos. É uma celebração das diferenças que nos distinguem dos outros animais, em que a consciência (e o inconsciente) é, provavelmente, uma das nossas maiores riquezas. Em cima da mesa ficam os debates que podem ser proporcionados após esta leitura.
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