“Um lugar onde as árvores têm nome“.
Depois de, em 2016, ter publicado o primeiro volume de um diário de episódios, crónicas, reflexões, testemunhos, contributos e outras que tais mundividências, Joel Neto volta a partilhar a sua leitura da realidade que capta e habita quotidianamente, servindo-se de uma profunda sensibilidade para atribuir valor aos detalhes. Em “A Vida no Campo – Vol II: Os anos da Maturidade” (Cultura Editora, 2019), regressa com um equilíbrio perfeito entre o texto retratista, intimista e exploratório, ou não estivéssemos perante alguém que consegue conjugar com mestria a narrativa jornalística e o romance, como bem demonstra a dúzia de livros já publicados.
Mantendo-se a viver nos Açores, ilha Terceira, Terra Chã, lugar dos Dois Caminhos, terra onde nasceu e onde regressou em 2012 depois de um interregno de cerca de 20 anos de vida continental e citadina, Joel Neto reflecte nos seus textos o bem-estar, a urbanidade e o carácter de uma opção de vida mais amigável da natureza, de si próprio e dos outros. Fala da terra, de pessoas, de ocorrências e de experiências suas e alheias. Fala muito do que a terra dá, em sentido real e figurado. Do que as pessoas levam e trazem, quando também elas se dão à terra ou dela se afastam.
De um domingo, 25 de Março, no lugar dos Dois Caminhos, a uma segunda-feira, 18 de Março, do ano seguinte, no mesmo local, numa cronologia que se adivinha contemporânea, acompanhamos o autor num ano de andança entre o seu porto seguro (lugar dos Dois Caminhos) e as viagens pelo país, entre Lisboa, Chaves, Porto, Ponta Delgada, São Roque, Fajã de São João, São Jorge/Terceira, Óbidos, Torres Novas e Ovar, como pelas passagens pela América, Alemanha e Brasil. Tudo devidamente enquadrado pelas quatro estações do ano – e a forma deliciosa como cada uma das temporadas dita as cores, os cheiros e os sons, que cinco sentidos mais apurados e atentos conseguem captar.
“Não podíamos estar noutro lado senão nos Açores: sempre perto da História – sempre na primeira fila, mas ainda assim na plateia.”
Este segundo volume dá continuidade ao retrato cultural e sociológico de uma comunidade e de uma forma de vida, numa narrativa que contagia com a sua comparência e intimidade. A forma como as pessoas se instalam e relacionam, o quotidiano, a emoção de saborear cada momento, um cheiro, um olhar, uma memória, um reconhecimento. O conforto de um estar contemplativo e, ainda assim, deliciosamente comunicante e ligado ao mundo. A evidência de como é possível mantermo-nos ligados ao mundo, fora do epicentro e sem escravidão social. No lugar dos Dois Caminhos, viver a vida simples, num invejável equilíbrio entre o compromisso e o hedonismo.
Joel Neto traz-nos uma narrativa de vida, de redenção à natureza e às pessoas, na sua natureza mais pura, naquilo que são quotidianamente, desprovidas de encenação. Um exercício de entrega e, ainda assim, de liberdade. De um profundo prazer em dar sentido e valor às memórias e à identidade, retirando beleza e prazer de pequenas coisas e de gestos banais ou insignificantes para os menos atentos.
Ao contrário do que o autor afirma, considerando que para si o alimento vem de ter escrito e não de escrever, ao leitor o prazer está desde logo no ler os seus textos, imaginando-o a escrever, em viagem. Tê-lo lido, sendo prazeroso, deixa um apetite voraz de mais: mais dias, mais perspectivas, mais partilha, mais e mais. Guia hábil, discreto e intenso, Joel Neto projecta imagens e produz influência, conseguindo fazê-lo sem interferir na liberdade, no sonho e na imaginação de quem o segue.
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