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A Única História, Quetzal, Deus Me Livro, Julian Barnes
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“A Única História” | Julian Barnes

Por Ana Ilhéu · Em 27/06/2019

Será bela a vida, ainda que inevitavelmente triste? Ou, pelo contrário, numa vida dominada pela tristeza, há lugar para a beleza? Haverá inevitabilidade nesta díade vida-tristeza?

Depois de mais de uma dezena de livros publicados – três dos quais finalistas do Booker Prize -, de ser repetidamente premiado pela crítica, pelo júri e, mais importante que tudo, pelo público, que por esse mundo fora se tem mantido fiel e expectante, Julian Barnes regressa com a habitual mestria e elegância da sua narrativa. “A Única História” (Quetzal, 2019) representa uma viagem ao amor improvável, à capacidade deste sobreviver e de se metamorfosear. Representa, igualmente, um relato de vida através de uma história de amor. Não um relato cronológico, mas uma saborosa descoberta do acontecido a coberto das tropelias da memória, garantindo a autenticidade do que ficou, sobrevivente ao passar do tempo e à transformação da expectativa e do afecto.

Julian Barnes serve-se da organização e dos filtros da memória para nos recordar a imprevisibilidade do alinhamento das emoções, comportamento e sensações, quais hostes, dificilmente compatíveis com um qualquer algoritmo ou receituário.

Numa dimensão complementar, perfeitamente entrosada, surgem as questões inter-geracionais vividas pelo protagonista desta história, possibilitando uma amplitude de percepções pouco usual. É também tocada a dificuldade de os jovens reconhecerem nos mais velhos o ganho da experiência e a oportunidade de não repetirem processos desnecessários, de atalharem etapas, sem que tal represente deixarem de viver o que é preciso, por contraponto com a vontade dos mais velhos de os pouparem ao que eles próprios viveram. No concreto, a relação do jovem protagonista com os pais e o secreto prazer de estar a viver algo fora dos ditames da época e da sua própria família, que queriam para a descendência o melhor do seu tempo, trabalho e convencionalidade.

Numa relação entre um jovem de dezanove anos e uma mulher com mais de quarenta nem sempre se revelou fácil compatibilizar diferenças de perspectiva sobre o que é e se se quer da vida: um à procura de um “lugar com perigo”, outro do almejado “lugar seguro”.

A Única História, Quetzal, Deus Me Livro, Julian Barnes“Eu tenho o saber dos livros, ela tem o da vida”.

Uma relação alimentada por eufemismos que atenuaram diferenças e suavizaram o que, a determinada altura, se revelou ostensivamente óbvio: a diferença de idades, a mudança de perspectivas, a degradação física e mental, tudo natural se orientado por processos e registos compatíveis.

Será o amor elástico?

“Compreender o amor é para mais tarde, compreender o amor raia o sentido prático, compreender o amor é para quando o coração arrefece. O amante extasiado, não quer compreender o amor, quer experimentá-lo, sentir a intensidade e o olhar sobre as coisas, o acelerar da vida, o egocentrismo totalmente justificado, o desaforo lúbrico, a prosa alegre, a serenidade calma, o anseio ardente, a certeza, a simplicidade, a complexidade, a verdade, a verdade, a verdade do amor.”

Será o amor capaz de superar a metamorfose das relações, os momentos em que o básico deixa de interessar em nome da sobrevivência individual, a clivagem emocional ditada por convicções e hábitos ruminantes sobre si e sobre o outro, sobre a capacidade de compreender e controlar a realidade, de ser forte ou fraquejar perante a emoção e o desejo, de admitir ou disfarçar fraquezas, de carpir defeitos e, ainda assim, reconhecer precisar do outro?

À distância do vivido e condicionado pelas tropelias da memória, Barnes e o narrador fazem-nos pensar se marcará o primeiro amor todos os outros, servindo de exemplo a repetir ou a refutar, (des)qualificando os que se seguem, obscurecendo-os ou tornando-os melhores. O desafio parece ser evitar a “calcinação” do coração que, a acontecer, deixará para o futuro e para os vindouros apenas cicatrizes.

“Quando somos novos não temos dívidas nem deveres para com o futuro; mas, quando somos velhos, temos dívidas e deveres para com o passado. Para com aquilo que não podemos alterar.”

Uma leitura susceptível de desencadear processos introspectivos muito interessantes.

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Ana Ilhéu

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