Orgias, apostas, swing – nos vários significados que a palavra vos despertar -, prostíbulos, trabalhos precários, bebedeiras. Está tudo em “A sul de nenhum norte” (Alfaguara, 2016), uma colecção de 27 contos do inimitável Charles Bukowski, entregues ao alter-ego Henry Chinaski.
Neste retrato de uma América em depressão, a palavra é dada aos marginais e aqueles que, durante a vida, caíram numa falha para não mais se levantarem – a não ser que haja promessas de sexo ou uma garrafa a passar de mão em mão. Não se trata, porém, de uma radiografia à moda de Dickens na senda de um Oliver Twist, antes de um mergulho com o espírito de um Fear And Loathing In Las Vegas onde, por entre muita espirituosidade, não faltam rabos, pilas e mamas, isto acompanhado de observações profundas sobre a vida (por vezes com pilas pelo meio).
Entre a auto-crítica e o elogio, é o próprio Henry Chinaski que escreve a sua própria biografia: “Só sei escrever sobre beber cerveja, ir ao hipódromo e ouvir música sinfónica. Não é uma vida estropiada, mas também está longe de ser uma súmula da mesma. Como é que me tornei tão limitado? Cheguei a ter coragem. O que é que aconteceu à minha coragem? Será que os homens envelhecem mesmo?”.
Acompanhamos Henry e as suas idas ao médico, numa lista infindável de maleitas próprias e alheias: hemorróidas, furúnculos, neuroses, diversos tipos de demência. Ele que, aos 38 anos, se considerava acabado e farto da vida como ela é: “Tinha-se simplesmente fartado: do ramo dos seguros, dos gabinetes e das altas divisórias de vidro, dos clientes; fartara-se de enganar a mulher, de apalpar as secretárias no elevador e nos corredores; fartara-se das festas de Natal e das festas de Ano Novo e dos aniversários, e das prestações de carros e mobília novos, da luz, do gás e da água, a porra desse emaranhado de necessidades.”.
Neste sentido e corrosivo elogio à depravação e à vagabundagem, não faltam personagens e situações desenhadas com as cores do absurdo: um tipo que faz amor com as mulheres de cera de um museu; um canibal negro com o rosto rescrito por mil ressacas e mil tragédias; um combate entre velhinhas onde se diz que Thomas Wolfe é um chato; um homem que se apaixona perdidamente por um manequim.
Sempre com um sentimento de não-pertença e um humor que é só dele, Charles Bukowski aponta os holofotes aos becos e vielas do mundo, mostrando todas as camadas que se escondem por baixo da aparente normalidade e arrumação da vida.
“Hospitais, prisões e putas: são estas as universidades da vida. Tenho vários canudos. Tratem-me por senhor.” Um Doutor das letras este Bukowski. Ou melhor, senhor Bukowski.
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Ora aí está: corrosivo elogio à depravação e à vagabundagem, é um excelente resumo destes contos