Jianxi, China, “a cidade da porcelana, a mítica Ur onde tudo começa”. Edmund De Waal, que antes já havia brindado os leitores com “A Lebre dos Olhos de Âmbar” – onde, a partir de uma herança de netsukes, fazia uma história biográfica e enciclopédica da forma como a guerra entrou na Europa e no mundo da comunidade judaica -, mergulha agora no mundo branco da porcelana, “sujeita a uma transmutação alquímica, a um novo nascimento“.
Neste “A Rota da Porcelana” (Sextante Editora, 2016), o objectivo da viagem é dado logo nas primeiras páginas por De Waal, uma demanda pessoal empreendida por alguém que gosta de chegar às origens:
“Mas sei porque estou aqui, por isso, mesmo sem saber bem o caminho, avanço com segurança. Afinal é muito simples: uma espécie de peregrinação às origens, a oportunidade de subir à montanha donde vem a terra branca. Faltam-me poucos anos para fazer cinquenta. Faço vasos brancos há uns quarenta anos, e porcelana há vinte e cinco. Tenho um plano traçado para visitar três lugares onde a porcelana foi inventada ou reinventada, três colinas brancas, uma na China, outra na Alemanha e a terceira na Inglaterra. Cada um desses lugares é importante para mim. Conheço-os há décadas através de vasos, livros e histórias, mas nunca os visitei. Preciso de ir vê-los, preciso de ver como é a porcelana sob céus diferentes, como o branco muda com a latitude. Há mais coisas brancas no mundo, mas para mim a porcelana vem em primeiro lugar. Esta viagem é o pagamento de uma dívida aos que já se foram.”
Uma vez mais De Waal aproveita a viagem no presente para recuar a um passado longínquo onde cabem, por exemplo, as histórias de Marco Polo, ele que foi o autor da primeira referência à porcelana no Ocidente. Aliás, o nome porcelana terá vindo da terra de Marco Polo, nascido a partir de um piropo: “…vem do calão dos pequenos rufias de Veneza, um vulgar assobio à passagem de uma mulher bonita.”
Ao pegar no vaso de Gainières-Fonthill, o autor e artista volta a perguntar-se qual será a melhor forma de começar e o melhor caminho a seguir, sempre com a convicção clara de que não deverá seguir os passos de um trilho já atravessado – ao mesmo tempo que elenca vários dos possíveis perigos:
“Seguir esta pista seria uma viagem ao mundo dos connoisseurs, dos entendidos, dos especialistas em pedigrees. Uma história de colecções, e Deus me livre de me meter noutra. O meu último livro seguia uma herança, uma colecção de netsuke, pequenas esculturas japonesas, ao longo de cinco gerações da minha família: já sei o que colecções e heranças implicam. Antes de vir em romagem a Dublin, li os estranhos romances góticos de William Beckford, consultei os seus catálogos para ver que lugar ocupava este objecto de beleza entre os seus tesouros, e suspeito que seria capaz de me perder também na sua fantasia, prisioneiro de sultões, concubinas e gerifaltes bordados e dourados. Estou a ver-me a remontar o tempo nos arquivos, a interiorizar a sensação de posse. Seria uma história de gente rica e das suas porcelanas.”
Em Jing Dezhen passeamos entre cacos num “território de fragmentos“; seguimos viagem até Dresden, “a cidade em que os mistérios da porcelana foram desvendados no princípio do século XVII“; damos um salto a Versailles e à corte de Luís XIV, lugar onde as ideias e as imagens da China se concentram; há também a ida até Plymouth, onde em 1719 William Cookworthy foi para marçano de farmácia e recebeu 6 anos de ensino de química, acabando por descobrir a alquimia e, com ela, a porcelana.
Ao mesmo tempo que vai coleccionando objectos brancos, tendo em vista uma exposição sua que terá lugar na cidade de Nova Iorque, Edmund De Waal conta uma história pessoal por entre esta rota da porcelana, juntando-lhe fotos, mapas, ilustrações, citações e excertos de livros antigos, com muitos pormenores técnicos e apontamentos históricos que parecem retratos vivos. No final, depois de uma longa jornada e de mais um objetivo cumprido, De Waal passa da escrita ao trabalho de artesão, regressando assim ao seu mundo primordial: “E não, não estou a escrever. Estou outra vez a fazer coisas.” Quanto ao leitor, ficará a torcer para que depois dos objectos De Waal esculpa um novo e maravilhoso livro como este.
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